quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A arte de planejar


 A Arte de Planejar, uma necessidade 
             Prof. José Wilson Schlickmann
        Campo Bom, setembro 2009


               Planejamento: Razão, Criação,Técnicas e Estratégias

1. Formas de planejar e de decidir.

Existem basicamente dois jeitos, formas, técnicas ou metodologias fundamentais de planejar e/ou de tomar decisão. Uma das formas é a ditatorial, na qual alguém, uma facção ou um grupo, sozinho, sem consultar, sem ouvir os demais interessados e/ou os demais envolvidos na questão, pensa, planeja e decide pelo grupo, pela coletividade; a outra forma de planejar é a democrática na qual os indivíduos pensam a partir e/ou com o grupo, na qual o grupo pensa como grupo, pelo grupo, constrói suas decisões e seu plano colegiada e participativamente.

1.1. Técnica ditatorial

No sistema autoritário/autocrático ou ditatorial alguém, um grupo ou facção assume para si o direito de decidir sozinho, impondo-se pela força, retirando e/ou roubando dos demais sujeitos o direito de participar e de decidir e, por isso, sozinho planeja, decide e define o que pode e o que deve ser feito e esse resultado ou plano é imposto aos demais para que o mesmo seja cumprido e executado. Nessa estrutura de exercício do poder não existem coordenadores; existem, normalmente, chefes e/ou sub-chefes e esses são escolhidos por quem detém o poder centralizado, que se considera único e todo poderoso sobre tudo e sobre todos.

Nesse sistema, os escolhidos do ditador todo poderoso para chefiar setores, facções ou grupos, passam a ter compromissos apenas com quem os indicou e os nomeou e não com a respectiva coletividade da qual saíram e/ou foram retirados os agora chefes. Nessa forma de tomar decisões e de chefiar, também, normalmente ocorre que são trazidos, de outros contextos, sujeitos de confiança do ditador para assumirem os chamados cargos de chefe e/ou chefias, ou ainda os famosos CCs.

Nesse modelo de exercício do poder, normalmente, os escolhidos para cargos, funções de chefia ou de confiança são aqueles de quem se pode exigir fidelidade burra e cega ou também aqueles que mais poderão causar medo, imposição e coação para que as coisas aconteçam e/ou para que as pessoas façam tudo de acordo com a vontade do chefe/ditador lá do alto dos seus degraus da hierarquia. Nessa situação de exercício do poder, a escolha de um ou outro para ser nomeado e/ou constituído chefe não está atrelado ao fato de o mesmo saber ou não saber fazer, se o mesmo é o mais competente ou não, se o mesmo tem ou não habilidades de coordenação, de relacionamento e/ou de mobilização pelo convencimento, obtido através da sua argumentação para fazer ou deixar de fazer tal ou tal coisa.

Nessa modalidade ditatorial de exercício do poder o que interessa única e realmente é garantir que o indicado para chefe ou cargo de confiança tenha capacidade para se impor, cobrar, coagir e determinar que se faça do jeito que o chefe maior quer, exige e impõe. Nesses casos, muitas vezes, para não dizer quase sempre ou sempre, o incompetente ou o que mais tem jeito para carrasco vira chefe. Esse, por sua vez, quando no exercício da função de chefe, mesmo sendo antes colega dos seus agora comandados, passa a ignorar seus antigos colegas e quanto pior, ou quanto mais duro, estúpido e abestalhado agir com os mesmos, mais seu grande chefe vai premiá-lo e promovê-lo.

Essa atitude de desconhecimento dos seus antigos colegas e de falta de transparência para com os mesmos acontece porque o seu compromisso agora é com quem o indicou para chefe, não mais com os seus colegas e/ou com a causa coletiva do seu grupo.

Num grupo e/ou equipe, que faz ou vive essa experiência de exercício do poder autoritário, normalmente, passa-se a criar e/ou a constituir a chamada cultura do cochicho. Isso porque não há transparência e também porque, nesse ambiente, não existe a possibilidade de um integrante do grupo manifestar sua opinião, de forma transparente, mesmo que ela seja sensata, correta e pertinente. Frente a esse clima criado numa coletividade subjugada, essas pessoas, durante as eventuais reuniões com as chefias, permanecem quietas ou se limitam a dizer sim ou não, buscando pautar e definir esse seu sim ou esse seu não, tentando adivinhar como o chefe gostaria que fosse essa sua resposta.

Nesse contexto, quando da presença do chefe, tudo funciona organizado, perfeito, tudo está maravilhoso, todos estão contentes, mas ‘rosnando’; quando o chefe se ausenta as pessoas falam e expõem suas idéias, suas críticas e opiniões, mas à boca pequena. Assim está criada a chamada cultura do cochicho, a conversa ao pé do ouvido, ou a cultura dos cabresteados.

Nessa forma de exercício do poder, se um dos colegas é demitido, por mais injusto que possa parecer ao grupo, seus integrantes ficam quietos, diante do medo de, ao fazerem perguntas e/ou se manifestarem discordantes, virem a se constituir na próxima vítima. Nesse processo, normalmente, acontece que um a um dos que fazem perguntas ou que discordam publicamente vai sendo demitido até sobrarem apenas os “vaquinha de presépio”, os “lambe chefe”, os conhecidos “puxa-saco” ou ainda, os que não têm realmente nenhuma outra alternativa de trabalho e por isso “agüentam esse tipo de chefe” até conseguirem outro espaço de vida e de trabalho para sobreviverem.

Nesse contexto não se desenvolvem a corresponsabilidade, o exercício da consciência crítica e da cidadania, a criatividade, a solidariedade ou o darem-se as mãos. Um chefe com esse perfil, jamais estará junto com os seus comandados, jamais “compra” uma causa dos seus comandados. A idéia boa, colocada em prática, é sempre a do chefe, mesmo que roubada de um ou outro dos seus subordinados.

Essa forma do exercício autoritário do poder faz com que os agora chefes desconheçam seus antigos colegas, não valorizem as causas coletivas e sempre se considerem donos do grupo, donos das pessoas e de suas opiniões, verdades, vontades e consciência. A autoridade se serve dos seus comandados, dos seus serviços, das suas idéias, das suas capacidades. Cabe chamar a atenção, nesse contexto, para o fato de que, às vezes, as pessoas pensam que por aqui, em nossos lugares de trabalho e de convivência estamos livres desse sistema de tomada de decisões. Entretanto, aconselha-se a todos a darem uma boa examinada, a estarem antenados ou a ligarem-se um pouco mais na forma de exercício de poder que experimentam para ver se também não está presente, mesmo que disfarçado, dentro do sistema no qual vivem, apesar da aparente carinha santa de democracia, de sistema participativo, de respeito aos integrantes dessa coletividade.

Esse sistema e/ou forma de exercício do poder ditatorial/autoritário está presente nos regimes de exceção, nos regimes ditatoriais, nas monarquias e, disfarçadamente, pode estar presente no exercício do poder de alguns executivos municipais, estaduais, federal, em algumas escolas, igrejas, setores de trabalho, também em algumas ‘democracias’. É importante estar atento porque os disfarces são muitos, fazendo com que, muitas vezes, as pessoas são levadas a dizer que ‘felizmente isso apenas acontece por aí, em algum lugar, não por aqui, na minha cidade, na minha escola, na minha organização, na minha família’.

1.2. Técnica democrática

No sistema democrático, o escolhido para exercer o poder de decisão e de coordenação de uma coletividade é aquele que é reconhecido como liderança pelo grupo ou equipe; é aquele que tem habilidade para ouvir, para harmonizar os interesses do grupo, é aquele que é reconhecido pelo seu saber, que melhor conhece o processo em questão ou aquele que melhor sabe assessorar-se com quem sabe fazer de forma compartilhada e colegiadamente. Nessa modalidade de exercício do poder, quando alguém do grupo se torna coordenador, com mais intensidade o mesmo se sente comprometido com as causas e com a solução das dificuldades do grupo, mais se sente responsável pelo processo, mais se coloca a serviço, mais se identifica com o grupo, mais é amado e querido pelo grupo.

Na modalidade democrática de gestão existe transparência, as pessoas se sentem bem, podem, devem e perguntam quando não está claro para elas; ainda, nessa modalidade, as pessoas integrantes do grupo são criativas, curiosas, interessadas, expõem o que pensam, sentem-se solidárias e comprometidas com as causas, ações e atividades assumidas pelo grupo. Ainda, nessa modalidade, todos devem explicações para o grupo, todos precisam priorizar tempo e dedicação à causa comum que abraçaram. As pessoas se sentem livres, alegres, autônomas e empreendedoras. Nesse contexto democrático o poder é sempre exercido a serviço do grupo, a favor das suas causas e esperanças.

1.3. O exercício da última palavra

A história demonstra que muitas vezes, em muitos anos ou em muitos lugares, a teoria de gestão associou o ato de planejar ao de adequar a espontaneidade das ações dos indivíduos, e da sociedade, a uma linha de racionalidade amarrada a um sistema de controle absoluto, ditatorial e centralizado que potencializasse os múltiplos recursos materiais, recursos técnicos e as capacidades dos seres humanos, existentes em nível institucional e/ou na respectiva coletividade, visando a uma melhor eficácia desses mesmos recursos e capacidades, concebidas a partir de um único ponto de vista, de uma única pessoa, que se entendia dona de toda a verdade e da verdade sobre todas as coisas e pessoas.

Hoje, mais do que nunca, é necessário romper radicalmente com essa idéia de planejar que é traçada e definida pela diagnose voluntarista de uma única cabeça e/ou razão imperialista e ditatorial que tudo se permite e que pensa e age como se tudo pudesse e a tudo e a todos dominasse.

Nesse contexto de discussão sobre formas de planejar e sobre planejamento estratégico, cabe destacar a questão relacionada com o exercício da última palavra. Há um reconhecimento e/ou um entendimento de que, em todos os grupos e/ou equipes de trabalho, bem como nas mais diferentes modalidades, através das quais se expressam as organizações, entidades e/ou instituições da sociedade civil, os diferentes órgãos e/ou instâncias do poder público, bem como os seres humanos em suas questões individuais e pessoais, deve existir sempre e em todos esses diferentes espaços pessoais e/ou dos grupos organizados, alguém que assume a função do exercício da última palavra sobre o assunto e/ou o tema com o qual, circunstancialmente, se ocupa a pessoa e/ou essa ou aquela entidade, esse ou aquele órgão ou instância do poder privado ou público.

Essa compreensão aponta para o fato de que, em toda e qualquer situação e circunstância, é necessário que alguém exerça a função de pronunciar a última palavra, anunciando e/ou ordenando que se proceda desse ou daquele jeito, dessa ou daquela forma, decidindo que se faça isso e não aquilo.

É consenso de que se faz necessária a existência de uma última palavra em tudo o que se faz ou se empreende, quer seja em nível individual, quer seja coletivo. Entretanto, a questão não está em ter ou não ter, em existir ou não existir uma chamada ‘última palavra’. A questão radical é saber como é gerada essa última palavra: se apenas a partir de uma única cabeça toda poderosa e iluminada ou se gestada no embate dos interesses das pessoas integrantes dos grupos comprometidos com essa ou aquela causa em questão.

1.3.1. A última palavra na vida pessoal

Nas questões da vida individual e pessoal há o entendimento de que é necessário que a própria pessoa exerça essa função de pronunciar a última palavra sobre si mesma, sobre o que quer ou não quer, sob pena de vir a constituir-se em massa de manobra ou em mandalete de atores externos a ela. Em outras palavras, há a compreensão de que a própria pessoa deve assumir a última palavra sobre a sua vida, decidindo o que vai fazer e o que não vai fazer, porque, se assim não proceder, um ator externo a ela vai exercer essa função da última palavra em seu lugar. Cabe, portanto, à pessoa individualmente decidir suas questões.

Entretanto, nessas suas decisões individuais e/ou pessoais é necessário saber se somente contarão, de forma separada ou isolada, os argumentos apresentados ou pela inteligência racional, ou pela inteligência espiritual, ou pela inteligência instintiva, emocional, intuitiva, amorosa, estética, eletiva, biológica ou se serão levadas em conta todos os argumentos apresentados pelas diferentes inteligências do ser humano para compor a última palavra nessas suas decisões e se contarão também as contribuições originadas a partir da sua tridimensionalidade relacional, com as coisas, com o outro e com o transcendente.

Há entendimentos de que o ser humano, no seu processo de construção da última palavra sobre si mesmo e sobre os seus diferentes quefazeres, precisa levar em consideração as ponderações advindas das suas diferentes dimensões constitutivas e formas de percepções ou inteligências e então, na sua inteireza e unidade de ser humano, decidir o que fazer e o que não fazer, na perspectiva da sua realização e felicidade.

Portanto, até mesmo no contexto individual, é recomendável não escolher apenas a partir da compreensão de uma das suas inteligências. Significa compreender, pois, que tanto a inteligência racional, como as inteligências emocionais, a estética, a percepção de alteridade e as demais inteligências, integrem o seu ‘conselho decisório’ pessoal. Isto é, não é prudente decidir ouvindo só o coração ou só a razão. Uma questão que se impõe nesses momentos de decisão é a pessoa saber se só será feliz tendo muito dinheiro ou se só será feliz com muito amor no coração.

1.3.2. A última palavra na vida dos grupos

Nas questões da vida social, nos grupos, nas diferentes instâncias do poder, nos órgãos, instituições e/ou comunidades, por outro lado, diante dessa necessidade de uma última palavra, a questão que se coloca é saber se apenas um dos integrantes desses respectivos grupos sociais terá esse direito de decidir, impondo, a partir de si e de seus entendimentos, a sua única e exclusiva vontade e compreensão, ou se será o grupo que deverá exercer esse direito de discutir, de questionar, de opinar e de decidir, de forma participada e coletiva, tendo, na pessoa de um de seus integrantes, a coordenação dos diferentes passos e etapas constitutivas dos seus processos decisórios e de comando.

Fundado nessa compreensão, portanto, a questão pertinente sobre a qual deve ser focada a atenção, quando diante de processos de planejamento e de tomada de decisões, é quanto à origem, forma e/ou método utilizado para chegar a essa última palavra: se oriunda de uma única pessoa, cabeça e vontade, cabendo-lhe a palavra final do “decido que vai ser assim porque eu quero, eu sei e mando” ou se originada no grupo e/ou equipe de trabalho que junto analisa, pondera e decide, cabendo, nessa modalidade de processo decisório, a palavra final ao coordenador. Nesse modelo de exercício da última palavra, quando já construído e decidido no grupo o encaminhamento a ser dado ao assunto em questão, cabe ao coordenador dizer e/ou pronunciar apenas algumas palavras similares a estas: “a partir dos entendimentos construídos no grupo, percebo que a decisão deverá ser essa ... –verbalizar, recordando o conteúdo do que foi decidido – ... vamos fazer assim? ... correto?, então vamos!”.

Nesse caso, essa palavra final, pronunciada pelo integrante coordenador do grupo, é o resultado do que foi construído através de um processo participativo e colegiado de gestão, e isso porque, nessa modalidade de exercício democrático do poder, o conteúdo da decisão é sempre conseqüência dos processos coletivos e participativos presentes no respectivo grupo. Nesse jeito de gerenciar, ou de decidir, é importante primeiro buscar o consenso; se esse consenso não for conseguido, é necessário fazer uma votação, na qual então o ponto de vista da maioria decide, prepondera e vale.

1.4. Planejar: um processo técnico-político

Fundamentado nessa compreensão de tomadas de decisão, o planejamento ou a ação de planejar precisa ser concebido como um processo técnico-político, resultante do jogo democrático de atores em interação, conflito, cooperação e alianças. Técnico porque existe um jeito, um método ou uma forma específica de fazê-lo. Político porque trata do interesse e/ou do comportamento dos cidadãos em sua polis, político também porque as conseqüências e/ou as repercussões da decisão exercerão influência na qualidade comportamental das pessoas envolvidas no processo decisório e/ou na qualidade das atitudes das pessoas atingidas por essas mesmas decisões.

Nesse jogo, cada um dos atores - individuais ou coletivos - procura fazer o seu jogo e, para esse jogo, cada um dos atores tem suas próprias estratégias e suas particulares visões sobre os problemas e a realidade. Por isso, nessa realidade e contexto de práticas democráticas, todos “nós jogamos um papel do mesmo modo que os nossos oponentes, onde tudo o que ali ocorre depende de nós e deles” (Matus, 1989, p.127).

Essa arte democratizada de planejar é indeterminada, constituindo-se num processo em aberto, no qual a decisão ou o futuro está por ser construído a partir e/ou pela interação de todos os atores individuais e/ou coletivos interessados, envolvidos e comprometidos com um processo de planejamento específico, determinado e/ou circunstanciado, num tempo e lugar.

1.5. Neutralidade, sujeitos e objetos

Há entendimentos, já consensados, de que não é possível ao homem e à mulher, ou às suas respectivas organizações, agirem de forma neutra. Essa compreensão se dá porque em tudo e sempre há uma intencionalidade a alicerçá-los e orientá-los nos seus processos de escolhas e de decisão, bem como em suas ações.

Desse entendimento decorre que, em tudo o que é feito e em todas as organizações ou grupos dos quais as pessoas participam, sempre existem interesses, individuais e/ou coletivos, a serem defendidos e alcançados e porque o ser humano sempre age movido por suas intenções e interesses, “uma explicação não é independente de quem explica, para quê explica, a partir de que posição explica e frente a quem explica” (Matus, 1989, p.127).

Como o ator que planeja é parte do processo histórico-cultural, social, político, econômico e religioso, ele é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do planejamento. Como sujeitos do planejamento, participam opinando, elegendo, decidindo e tendo cada um os seus motivos e interesses pelos quais brigar, defender, resguardar e/ou buscar conquistar. Essa luta estratégica pelos seus (nossos) interesses faz com que “o meu critério para decidir o que devo fazer hoje, baseia-se na avaliação da eficácia que essa ação de hoje terá, para mim, amanhã” (Matus, 1989, p.25).

Como objetos do planejamento, os atores planejam para si próprios, quando sujeitos individuais, e para o grupo, quando sujeitos coletivos, isto é, quando participam como sujeitos integrados a um determinado grupo que age, reflete e decide, planejam a eles mesmos, ou seja, constituem-se objeto de seu próprio planejamento, individual e/ou coletivo.

O planejamento participado é o instrumento muito eficaz que os atores – individuais e coletivos - têm para construírem o futuro dos seus sonhos, contrapondo-se às tendências e refazendo seus destinos, procurando aumentar suas oportunidades e/ou o leque de suas alternativas e opções, criando o próprio espaço de exercício da liberdade.

O planejamento democrático participativo é uma das maiores conquistas de liberdade que o homem, a mulher e os sujeitos coletivos podem almejar. Isso porque o “plano é a tentativa do ser humano para criar seu futuro, é lutar contra as tendências e correntes que nos arrastam, é ganhar espaço para escolher, é mandar nos fatos e nas coisas para impor a vontade humana e, é ainda, poder negar-se a aceitar um resultado social dado, é somar a inteligência individual para multiplicá-la como inteligência coletiva e criadora” (Matus, 1989, p.154).

1.6. Apontando caminhos

O atual quadro histórico-cultural, social, político, econômico, religioso e educativo, no qual vive o ser humano, está exigindo estratégias participativas, colegiadas e criativas para as definições de direcionamento das ações a serem implementadas nas diferentes formas de expressão da sociedade, isto é, nas suas organizações culturais, industriais, sindicais, eclesiais, desportivas, estudantis; nas instituições de ensino, nas faculdades, nos cursos, salas de aula.

A grande estratégia, nesse momento histórico, é implementar processos participativos e criativos, é trabalhar com processos coletivos ou cooperativados, é educar-se para práticas de gestão, de planejamento e construção participativas nas várias instâncias e níveis de poder; também nas várias dimensões do comportamento do ser humano quando presente em suas diferentes organizações profissionais, bem como nas organizações de classe dos estudantes e dos professores, por exemplo. Nessa modalidade democrática de planejar e de decidir, as duas grandes qualidades necessárias se constituem na transparência e na corresponsabilidade.

Planejar, segundo a tendência dominante, observada e entendida como necessária hoje, é, pois, analisar, eleger e construir, metódica, intencionalmente e de forma criativa, colegiada, participativa, comprometida e continuada, um caminho a ser percorrido conjuntamente.

O ponto de partida, tanto no planejamento individual, quanto no planejamento coletivo, é sempre considerar a realidade desejada na sua relação com a realidade situacional, ou seja, é necessário, de um lado, ter presente o que se quer e de outro, a realidade do hoje de cada um e de cada grupo, entidade ou organização; a direção desse caminho a ser percorrido, seguido e/ou implementado é a própria realidade desejada dos seus respectivos sonhos e utopias.

 

2. Etapas do Processo de confecção de um Plano

2.1. O que fazer e por que fazer

2.1.1. O que fazer

A primeira, primeiríssima, questão com a qual os seres humanos, ou seus respectivos grupos e/ou instituições se deparam, quando diante da necessidade de uma ação planejada, é buscar definir o que quer fazer, em que lugar quer chegar, que homem ou que mulher os mesmos pretendem ser, que entidade ou organização desejam constituir, que profissional pretendem ser, com qual qualidade profissional pretendem ser identificados, que grau de cidadania os mesmos pretendem exercer e usufruir; também necessário ter consciência do que quer fazer, com o que pretendem ocupar-se, com qual qualidade ética pretendem identificar-se, qual o comportamento que pretendem assumir para as suas vidas; ainda, qual sociedade os mesmos querem ajudar a construir, qual qualidade comportamental querem para as suas diferentes relações, ou qual o sentido existencial que pretendem eleger para a sua vida individual e/ou para a vida das suas organizações e entidades.

2.1.2. Por que fazer o que quer fazer

A segunda questão, indispensável, com a qual os seres humanos, ou seus respectivos grupos se deparam é com a necessidade de estarem convencidos e terem a clareza por que querem o que querem. Isso significa compreender que é necessário saber qual a razão e/ou os motivos de querer ser o que os mesmos querem ser, para só então iniciar o fazer. A justificativa, ou as respostas encontradas, para os “por quês” fazer ou não fazer isso ou aquilo revelam os valores que fundamentam as escolhas das pessoas e/ou das suas instituições envolvidas.

Significa entender que é necessário ter consciência de quais os motivos, as razões e as justificativas que os leva a quererem ser o que querem ser e a se ocuparem com o que pretendem se ocupar. A questão importante, nesse processo, é saber se as respostas obtidas ao “por que querem fazer o que querem fazer” os convencem ou não? Se os convencem, faz sentido fazer. Se não os convencem, não faz sentido fazer. Os porquês dados em resposta ao “o que fazer” é que determinarão se vale ou não vale a pena fazer, se tem ou não tem sentido fazer.

2.2. O aqui e agora de cada um, o circunstancial

Essa segunda etapa do processo de planejamento exige que o ser humano, ou seus respectivos grupos, verifique como ele está nesse lugar e nesse momento. Significa ter conhecimento e consciência da realidade atual, do situacional de hoje, isto é, é necessário ter consciência de quem ele é ou como é no seu aqui e agora. É importante saber que profissional ele já é aqui e agora; saber com quais projetos está aqui e agora envolvido e/ou comprometido; o que tem e o que ainda não tem; com o que pode contar como já tendo em termos de recursos humanos e/ou materiais; que projetos pessoais e/ou profissionais já têm aqui e agora; o que ele já é aqui e agora, ou o que o grupo já é aqui e agora.

Nessa etapa é necessário ver, constatar e ter consciência da realidade, do que já é, como já é e como é o seu hoje e o seu agora pessoal e profissional e/ou do grupo, da instituição ou da coletividade envolvida e/ou comprometida com um processo de planejamento específico, com algo concreto daquela pessoa e/ou daquele grupo em situação de definição dos seus rumos a serem seguidos.

2.3. Questões de estratégia

Nessa etapa do planejamento é necessário conceber, traçar e definir caminhos, estratégias, jeitos que contribuem para a transformação e/ou para a condução do situacional do hoje, do aqui e do agora para o situacional desejado, o novo e/ou o renovado jeito de ser da pessoa e/ou do profissional, do grupo, da entidade.

É necessário verificar quais alternativas, saídas e/ou caminhos tem em termos de recursos humanos, técnicos e/ou materiais, se os mesmos estão e/ou estarão disponíveis no início, no durante e/ou nos finalmentes da caminhada, quando iniciar, quando avançar e quando não, quantas vezes e em quais momentos, com quem contar, ou seja, é necessário verificar e definir tudo o que possa vir a precisar para sair com segurança de um lugar, percorrer o caminho devido e chegar também com segurança no desejado ou desejada.

É ainda necessário, identificar, analisar e eleger, entre as alternativas existentes e viáveis, o tipo e a qualidade das atitudes, dos comportamentos e/ou das providências a serem tomadas para que a caminhada aconteça com segurança, saindo de onde a pessoa está, na direção dos seus sonhos, seus ideais, seus desejados ou desejadas. Isso significa compreender que a pessoa só pode passar para as preocupações e/ou passar para as ocupações com o como fazer quando estiver bem definido e eleito o que quer fazer e, devidamente certos e convencidos, porque quer fazer o que quer fazer.

2.4. Balancete, avaliação e/ou exame de consciência

Nessa última etapa do processo de planejamento, a avaliação aparece como elemento essencial e a mesma precisa estar pré-definida no próprio plano quando fazer, de quanto em quanto tempo e como fazer. É necessário avaliar periodicamente o caminho percorrido, ou não percorrido, mantendo as ações estratégicas e/ou redimensionando as mesmas, conforme os resultados obtidos ou não obtidos.

Se o resultado não for bom e não estiver dentro das expectativas, em primeiro lugar, é necessário rever as estratégias utilizadas. Isso porque o eventual insucesso não está necessariamente no que desejado, mas na forma como a pessoa age para obter esse desejado. Só em última instância a mesma deve pensar em repensar ou em reconceber o planejado, o ideal, a meta, o sonho, mantendo-o, remodelando-o ou definitivamente trocando-o por outro.

Essa avaliação, balancete e/ou exame de consciência vai apontar para duas alternativas ou dois caminhos básicos a serem seguidos. Em primeiro lugar, pode apontar para que a pessoa continue fazendo o que e como está fazendo; mas isso se tudo estiver dentro do que planejado e esperado. Em segundo lugar, o resultado da avaliação pode apontar para a necessidade de que seja revisto, alterado, redimensionado, modificado, replanejado o que constatado de errado, ou seja, pode apontar para a necessidade de que seja buscado identificar e corrigir os elementos estratégicos provocadores do referido insucesso, replanejando, nesse caso, as estratégias.

Essa mesma avaliação pode, ainda, apontar para um outro caminho, esse muito radical. Entretanto, a necessidade de utilização de outro caminho dificilmente ocorre quando se procede e se percorre corretamente todos os passos indicados para a ação de planejar. Esse fato da radicalização acontece quando, diante das muitas revisões das estratégias, forem constatados contínuos insucessos. As pessoas ou grupos tentam de um jeito e não funciona, tentam de outro e também não há sucesso, vão para uma terceira, quarta, quinta, sexta tentativa e nada dá certo.

Se isso vier a acontecer, é sinal de que é bom, que se recomenda, que talvez seja necessário repensar o ponto 2.1.1 dessas etapas de planejamento. Ou seja, talvez o que desejado alcançar não é viável, o que querido é impossível ser atingido, conquistado, que definitivamente não há como, não há condições, recursos, capacidades, talentos para realizar e/ou fazer acontecer o desejado. Nesse caso, a avaliação estará indicando que é bom e necessário mudar a meta, o ideal, os objetivos, mudar de lugar, de rumo, de sonho ou de utopia.

Entretanto, é bom lembrar que não pode ser o primeiro obstáculo da vida de uma pessoa ou de um grupo que vai justificar e exigir mudança de lugar, de rumo, de sonho, de utopia. Significa dizer e compreender que só em última instância devem admitir rever e/ou reconceber radicalmente as metas, o sonho ou a própria utopia, trocando-os por outras metas, desafios, ocupações, ideais, sonhos.

Portanto, para que o homem e a mulher saibam planejar adequadamente é necessário que os mesmos saibam claramente o que querem -2.1.1, porque querem – 2.1.2, consciência de onde estão – 2.2, como vão fazer para chegar – 2.3, e avaliar periodicamente as etapas do caminho já percorridas – 2.4, até chegarem com sucesso no lugar desejado: Ah!!!, que felicidade!!!!.

 

3. Planejamento Estratégico

Quando se fala em planejamento estratégico não se faz apenas pelo fato de indexar um adjetivo à arte de planejar. Para planejar estrategicamente é também necessário saber pensar estrategicamente. Esse é um requisito básico para que o planejamento estratégico não se configure em novas palavras, mortas e sem vida, como é de praxe nos períodos de crises de paradigmas de gestão, surgindo, a cada semana, uma “nova” solução mágica, para os problemas cada vez mais intensos de inadequação e das modernas práticas normativas, com as exigências de serem as pessoas cada vez mais contemporâneas no presente.

As ações a serem definidas para um planejamento estratégico são os desdobramentos da terceira etapa do Processo de Planejamento, acima referido no número 2.3. Não raro, acontece uma indevida identificação entre planejamento e planejamento estratégico. De um plano fazem parte o que se quer, porque se quer, onde se está, as grandes linhas de como fazer para se sair de onde se está e caminhar na direção do desejado e como e quando se fará a avaliação. O Plano Estratégico é constituído de detalhamentos do item 2.3, acima mencionado, isto é, o planejamento estratégico parte das grandes linhas estratégicas presentes no Plano e as desdobra para o dia-a-dia da execução do Plano, criando-se assim o Plano Estratégico.

Entretanto, dentro do Plano Estratégico, cada estratégia vai necessitar também de um plano de execução, com todos os passos do apresentado acima nas condições de montagem de um plano. Cabe, entretanto, chamar a atenção para o fato de que estratégias estrategicamente mal concebidas, mal formuladas, mal planejadas e/ou mal implementadas podem obscurecer o mérito do planejado.

Por isso recomenda-se que, diante de um erro e/ou de um insucesso na concretização de um plano, a primeira saída seja a de rever as estratégias e/ou o modo e/ou o método e/ou o jeito de implementação utilizado. As razões da maioria dos insucessos se devem às estratégias mal formuladas e/ou mal concebidas e/ou utilizadas e aplicadas.

Por isso, diante do primeiro obstáculo, jamais, como primeira opção, abandonar ou invalidar o planejado, o sonho, o ideal, a meta e/ou a utopia. É, entretanto, muito comum, diante do insucesso de algumas estratégias, desmerecer ou invalidar todo o plano; a atitude correta e pertinente é a de, em primeiro lugar, rever e analisar com profundidade as estratégias utilizadas e/ou a forma como as mesmas foram e/ou estão sendo implementadas, buscando verificar se ali não estão as razões e/ou as causas do referido insucesso.

Planejamento Estratégico é, pois, o ato de definir ações, meios, recursos, tempo, responsáveis, que melhor contribuem no dia-a-dia do grupo, pessoa ou organização para construir a caminhada na direção da situação desejada, isto é, o que, com mais sucesso e pertinência, encurtará a distância entre a realidade situacional e a realidade desejada dos sonhos, ideais e utopias individuais e/ou coletivas.

3.1. Etapas da confecção de Plano Estratégico

Nessa etapa ou momento do planejamento as pessoas e/ou organizações já devem estar de posse do que realmente querem fazer e estarem devidamente convencidas que o que querem realmente vale a pena; também já definido, em grandes linhas, como irão fazer. No Plano estratégico estão as definições sobre os desdobramentos do item 2.3 acima, intitulado de Questões de Estratégia. Em outras palavras, cada uma das grandes linhas estratégicas do Plano precisa ser desdobrada num pequeno plano para o dia-a-dia da execução das ações constantes nesse Plano. Considerando essa condição, para um efetivo planejamento estratégico, visando a alcançar e/ou a caminhar na direção da realidade desejada e/ou sonhada, é necessário encontrar e/ou construir respostas convincentes e motivadoras para as questões abaixo:

  1. O que fazer para construir na direção do desejado
  2. Por que fazer isto e não aquilo
  3. Como e de que jeito se vai fazer
  4. Quem e/ou com quem contar para fazer
  5. Com quais recursos materiais e/ou econômicos contar para fazer
  6. Quanto e com que intensidade fazer
  7. Quando e de quanto em quanto tempo fazer
  8. Onde e em que lugares e/ou circunstâncias fazer.

O conjunto das ações resultantes das respostas às questões acima, e as razões fundadoras das mesmas, constituir-se-ão no plano estratégico, visando à implementação do Plano de um determinado projeto pessoal ou profissional, dos grupos, instituições e/ou entidades e ainda dos diferentes órgãos e/ou instâncias do poder público.

3.2. Passos de Análise da Consistência das Estratégias

Após a construção do Plano Estratégico e antes do desencadeamento de suas respectivas ações estratégicas, visando à implementação do programa e/ou do projeto pessoal ou profissional, ou das entidades e instituições, é prudente e pertinente verificar a consistência de cada uma das estratégias definidas, analisando-as uma a uma, de acordo com o roteiro abaixo sugerido. Significa tomar e/ou retomar diante de si e/ou do grupo cada uma das ações definidas e testá-las de várias formas para ver se de fato essa ação realmente vai resolver, vai funcionar, vai construir na direção do desejado ou não.

Diante de cada uma das ações recomenda-se perguntar:
1.      É necessária esta ação?
2.      É viável politicamente, vai “pegar bem”?
3.      É coerente, respeita os princípios adotados?
4.      É compatível com os recursos atuais e potenciais?
5.      É criativa e inovadora?
6.      É a mais eficaz; é a solução para o problema?
7.      É eqüitativa: a quem beneficia, é justa?
8.      É promotora de comprometimento nas pessoas envolvidas?
9.      É vulnerável; qual seu ponto fraco?
10.  É flexível; na contestação do oponente, qual a saída?

4. Apontando para conclusões...

Pode ser afirmado que todo o plano é relativo à situação do ator e/ou dos atores que o planejam. A arte de desencadear um processo de planejamento participativo é conquistar, pela transparência e pela consistência das argumentações, o comprometimento de todos os atores envolvidos no processo em construção, sejam eles individuais ou coletivos; é, também, conseguir identificar e/ou criar as chamadas áreas de igualdade, pontos, causas, razões e/ou motivações comuns ao grupo.

A proposta dessa concepção de construção de Plano e Plano Estratégico, defendida nesse texto e contexto, é que sejam criados espaços para a participação dos diversos e diferentes atores sociais, políticos, econômicos, religiosos e educacionais, sem a necessária renúncia das posições do ator que lidera a ação de planejar. Isso porque a arte de planejar é, também, a arte de saber negociar e articular-se com as forças dos atores presentes e participantes do processo de planejamento e de tomada de decisões para a identificação e o comprometimento dos mesmos com aqueles pontos que compõem as áreas de igualdade do grupo e/ou com aquelas intenções e interesses de quem lidera a arte de planejar.

Essas áreas de igualdade são compostas pelos interesses, causas, razões, motivos, valores, ideais, sonhos, utopias comuns a um grupo determinado, num lugar e tempo também determinados. A grande arte do ator que propõe e/ou lidera uma ação de planejar, participada e coletivamente, é a de descobrir e de identificar quais são os interesses comuns a esse grupo específico e/ou é a de convencer o grupo a respeito dos interesses de quem lidera a ação de planejar. Uma vez conhecida e identificada qual é a área de igualdade daquele grupo ou sujeito social é mais fácil conquistar o comprometimento desse grupo e com isso buscar o desencadeamento e a implementação de um plano e a execução das ações e das atividades estratégicas condutoras ao desejado e sonhado.

Planejar é organizar-se para viver e trabalhar na perspectiva da conquista das percepções motivadoras presentes na utopia de um sujeito individual ou de um sujeito coletivo.

Bibliografia:
-MATUS, Carlos. Adeus, Senhor Presidente – Planejamento, Antiplanejamento e Governo. Trad. Francisco A. Carneiro da Cunha Filho. Recife: Litteris, 1989.

Nenhum comentário:

Postar um comentário