Queridas alunas e alunos, a messe é grande! É no 'coração do mundo' que os leigos precisam testemunhar sua adesão à proposta de Jesus...
(É uma plantação do cereal 'canola' situada entre Carazinho e Palmeira das Missões RS)
Prof. José Wilson Schlickmann, Mestre em Educação, professor com passagem pelo Colégio Anchieta, Col. Dom Diogo de Sousa, Escola Santa Teresinha, 31 de Janeiro, Unisinos e Feevale, ex-presidente do CNLB da Diocese de Novo Hamburgo e do CNLB Regional Sul III, delegado do CNLB Nacional na Assembléia de Constituição do CONIC, atual professor da Faccat, Coordenador de Cursos de Extensão em Ciências Religiosas e Semanas Teológicas promovidas pela Faccat, Coordenador da Comissão do Canto Litúrgico Pastoral da Diocese de Novo Hamburgo, membro da Equipe de Canto Litúrgico Pastoral da CNBB Sul 3 e integrante da Equipe de Liturgia na Paróquia Santa Teresinha de Campo Bom RS.
Vocação, Missão e Identidade Laical
Este trabalho tem a intenção de
fomentar, estimular e provocar um processo de estudo, reflexão e análise com
vistas a uma melhor e mais clara compreensão da vocação, da identidade e da
missão do cristão leigos e leigas na Igreja Povo de Deus. Este texto deseja
ajudar na caminhada de construção da identidade laica de homens e mulheres
comprometidos com as causas do Reino de Deus, anunciado, vivido e testemunhado
por Jesus de Nazaré. Quer falar dos ensinamentos e saberes hoje corporificados
na história e vida da Igreja Povo de Deus que se manifesta, está presente e age
em cada um dos discípulos missionários e em cada uma das comunidades discípulas
missionárias que se reúnem fundamentadas e motivadas pela fé no Deus revelado
em Jesus Cristo.
São apresentados pontos de
orientação para o estudo, a reflexão e a busca de mais saberes e compreensões a
respeito da vocação, da missão e da identidade laical e da forma de crer e de
viver a serem concretizadas. Isso para que, como cristãos leigos e leigas
singulares, como movimentos e/ou organizações de leigos e leigas, melhor possam
contribuir com a implementação e a inculturação dos valores do Reino de Deus no
coração dos diferentes mundos específicos nos quais vivem e convivem os leigos
e leigas. Fala-se da vocação, da missão e da identidade específicas de leigos e
leigas e dos seus múltiplos organismos e movimentos nos quais se encontram
inseridos e com os quais se sentem comprometidos na construção da Igreja Povo
de Deus.
Para acontecer efetivamente esse
processo de estudos e de busca da identidade laical considera-se necessário ter
consciência de que é importante alargar o horizonte compreensivo a respeito da
vocação, da missão e da identidade específica dos cristãos leigos e leigas.
Isso porque, para ser e/ou vir a ser o leigo e a leiga que a Igreja de Jesus
precisa, sente-se a necessidade de muita oração, formação, capacitação, clareza
e unidade de propósitos, fraternidade na caminhada, apoio mútuo, troca de
experiências, muita determinação, organização, articulação e, sobretudo,
considera-se importante entender a necessidade de juntos aprenderem a crer como
Jesus acreditou nas causas do Reino do Deus cristão.
Este subsídio quer, pois, se
constituir num instrumento provocador de estudos, debates e de construção de
novas compreensões sobre a Igreja de Jesus, sobre o específico dos cristãos
leigos e leigas e sobre a necessidade de organização, de articulação e de
representatividade laical junto à hierarquia dessa mesma Igreja. Justifica-se
essa determinação, tendo em vista construir melhores condições para que, como
cristãos leigos e leigas, todos possam cumprir, com mais alegria, fundamentos,
consciência e consistência, a sua vocação e missão específicas na construção do
Reinado de Deus nesse mundo concreto, do aqui e do agora, das realidades nas
quais cada cristão leigo e cada cristã leiga vive, convive, ora e trabalha.
São apresentados estudos,
compreensões e saberes que ilustram a condição de cristãos leigos e leigas, a
vocação e a missão específicas, as necessidades de organização, de articulação
e de representatividade e a necessária unidade, relação e comunhão com os
demais organismos da Igreja Povo de Deus, com o objetivo de que cada um possa
melhor entender quem é e qual o lugar que ocupa e/ou que precisa ocupar.
Este roteiro de estudos é
resultado de um conjunto de subsídios produzidos pelo CNLB em sua caminhada de
articulação e de organização do laicato no Brasil, construído durante os muitos
anos da sua caminhada de articulação. Constitui-se de saberes, reflexões e
compreensões fundadas em documentos do Concílio Vaticano II e/ou nele
originados e inspirados. Com essa finalidade descrita, o texto a seguir está
dividido em tópicos com o objetivo didático de melhor apresentar este trabalho
e, ao mesmo tempo, de ajudar a melhorar o entendimento dos que o lerem e o estudarem.
1. Ser Igreja a partir da realidade.
Esse primeiro tópico, Ser Igreja
a partir da realidade, fala da caminhada da Igreja a partir do Vaticano II e
chama a atenção para a necessidade de que cristãos leigos e leigas sejam a
Igreja Povo de Deus dentro da sua realidade concreta e específica, ou seja, no
Coração do Mundo.
Diz a Lumen Gentium que “aos
leigos compete, por vocação própria, buscar o Reino de Deus, ocupando-se das
coisas temporais e ordenado-as segundo Deus. Vivem no mundo, no meio de todas e
de cada uma das atividades e profissões, nas circunstâncias ordinárias da vida
familiar e social. Aí os chama Deus a contribuírem, do interior à maneira de
fermento, para a santificação do mundo e a manifestarem Cristo aos outros
através do testemunho de vida e do fulgor de sua fé, esperança e caridade” (LG
31).
Segundo essa compreensão, é no
mundo das atividades profissionais, no lar, nos ambientes de convivência, no
lazer, nas esferas da economia, da política, da política partidária, dos meios
de comunicação, das instituições educacionais, da saúde, da moradia, da
justiça, da terra, e ainda, segundo essa mesma compreensão, é nas mais variadas
e diferentes estruturas organizativas da sociedade que os cristãos leigos e
leigas, com o seu testemunho e presença transformadora, são insubstituíveis
como cristãos e cristãs da Igreja Povo de Deus.
Em outras palavras, o lugar
próprio, específico, privilegiado e prioritário para o testemunho cristão dos
leigos e leigas é o vasto, complexo e dinâmico mundo da política, do social, do
econômico, da cultura, das ciências, das artes, da técnica, da comunicação; é
também o complexo mundo das organizações e articulações nacionais e
internacionais, bem como ainda, constitui-se lugar próprio, da ação
evangelizadora do laicato, o vasto e complexo campo das questões relacionadas
com a família, com os jovens, os idosos, a mulher e as minorias, o campo das
diversas formas e estilos de trabalho, os sofrimentos e as exclusões de grupos
significativos da população, submetidos a condições indignas de existência e de
vida, segundo os critérios do Reino de Deus.
Também, de acordo com a Lumen
Gentium, ”os leigos são chamados de modo especial a tornar presente e operante
a Igreja naqueles lugares e circunstâncias onde Ela só por meio deles pode vir
a ser sal e fermento. Assim o leigo é, ao mesmo tempo, testemunha e instrumento
vivo da própria missão da Igreja nos seus lugares específicos” (LG 31).
2. Princípios de ação
necessários
De acordo com as aprendizagens
construídas na caminhada de vida, de fé e de estudos do laicato no Brasil, são
necessários alguns princípios norteadores para fundamentar e alicerçar essa
responsabilidade dos leigos em seu desafio missionário frente às causas do
Reino de Deus. Entre outros, é preciso:
Adotar, como princípio de vida e
das suas ações, atitudes e comportamentos de persuasão e jamais de imposição. É
necessário convencer os outros e os espaços de convivência que cada um ocupa na
sociedade, pelo exemplo, pela coerência entre o discurso cristão e a prática
cristã, convencer pela constância e persistência na vida cristã e pela alegria
em viver a proposta na qual se confessa acreditar.
Entender a Igreja e a proposta de
Jesus, como um parâmetro de avaliação entre o jeito de Jesus ser protagonista
do Reino e o jeito de cada cristão leigo e leiga ser protagonista desse mesmo
Reino, buscando continuamente uma melhor adequação do seu estilo de vida ao
estilo de vida de Jesus.
Entender que o mais importante
não é crer em Jesus, e sim, crer como Jesus acreditou e esteve comprometido com
a proposta do Reino, amar como Jesus amou, até a morte. Esse pressuposto
compreensivo dá conta de que não é suficiente acreditar em Jesus e isso porque
os diabos presentes na sociedade de hoje também acreditam em Jesus.
Buscar compreensão e entendimento
de que a identidade do cristão leigo e leiga é também marcada, como a dos
demais cristãos, pelo batismo na Igreja de Jesus Cristo, pela tradição
apostólica e pelo comprometimento com as mesmas causas pelas quais Jesus deu a
sua própria vida.
Estar convencido de que a
identificação com a Igreja de Jesus transparece na prática, naquilo que o
cristão leigo e leiga é no seu dia-a-dia, enquanto seguidor e imitador de Jesus
e na qualidade cristã da sua relação com o vasto mundo das instituições e
organizações da sociedade e com os
demais fiéis dessa mesma Igreja de Jesus. É nessas relações que se manifesta ou
não a verdadeira identidade cristã dos seguidores de Jesus.
Aprender a reconhecer, a acolher,
a valorizar e a promover os diferentes dons, as diferentes formas e riquezas de
ser Igreja, colocando-se junto com os demais cristãos na construção do Reinado
de Deus. Ter consciência de que esse Reino é bem maior que a pequenês, a
mesquinhês e a miserabilidade de espírito de muitos e muitas que se dizem
pertencer a essa Igreja, sejam eles leigos e leigas ou não.
Articular-se e organizar-se com
as demais expressões e manifestações da Igreja de Jesus, o Cristo, para que,
com mais força e com mais condições e pertinência, ser instrumentos mais
eficazes a serviço da construção do Reinado de Deus com o qual Jesus estava
vital e radicalmente comprometido.
Ter consciência de que a
organização e a articulação dos cristãos leigos e leigas não é um movimento a
mais que vem para substituir os carismas dos demais, para impor uma nova
espiritualidade ou um novo valor inspirador e motivador para a vida cristã
desta ou daquela pastoral ou movimento, desta ou daquela instituição ou
entidade.
Assumir a compreensão de que,
tanto os Núcleos Paroquiais do Laicato, como o Conselho Diocesano do Laicato, o
Conselho Regional do Laicato ou o Conselho Nacional do Laicato, são organismos
de articulação, mobilização, motivação, animação, apoio e representação dos
cristãos leigos e leigas. Isso para que o laicato, em seu todo, seja mais forte
e mais capaz de se fazer ouvir nas diversas instâncias representativas do poder
público constituído e também fazer-se forte e ouvido frente às diversas e
diferentes instâncias e organismos da hierarquia eclesiástica. Isso para que
juntos sejam mais fortes e convincentes em suas posições diante dos vários e
intermináveis desafios que a sociedade, marcada pelos valores do neoliberalismo
capitalista lhes impõe, causando transtornos aos desejos e propósitos da
implementação do Reinado de Deus.
Por fim, compreender e assumir,
radicalmente, como pressuposto, que todo batizado, leigo e leiga, não exerce um
papel supletivo ou uma função secundária no campo da missão e da evangelização,
mas que possui um papel e lugar próprio, específico, intransferível, só dele,
e, portanto, de sua única, exclusiva, inalienável e indeclinável
responsabilidade. Significa compreender e assumir o fato de que nenhum cristão
leigo e leiga exerce uma suplência; significa dizer, de forma mais radical, que
não pode existir ninguém, fora das quatro linhas do campo da missão e da
evangelização, esperando por uma eventual substituição para entrar no jogo; não
podem existir suplentes, pois na Igreja de Jesus ninguém é suplente de ninguém.
Todos os cristãos leigos e leigas são titulares e precisam, necessariamente,
assumir essa sua condição de titularidade na construção do Reinado do Deus de
Jesus, o Cristo.
3. Necessária consciência
eclesial.
Convém, entretanto, nessa sua
condição de titularidade, também ter a consciência de que, apesar dessa
insistência na insubstituibilidade do leigo e da leiga nos diferentes campos
específicos da sua missão evangelizadora, ele e ela não estão sós ou solitários
nessa Igreja. A compreensão e/ou a imagem de Igreja, desenvolvida no Vaticano
II, apresenta como necessidade resgatar, fazer crescer, amadurecer e valorizar
a condição da dignidade do cristão leigo e leiga e a sua respectiva
corresponsabilidade eclesial.
Decorrente dessa mesma imagem de
Igreja, a partir das compreensões construídas no Vaticano II, o cristão leigo e
leiga tem como Vocação e Missão participar ativamente de toda a vida da Igreja;
impregnar o mundo da proposta e do espírito cristãos; santificar e ordenar tudo
segundo o plano e a vontade de Deus; tornar-se sal e fermento cristão onde
vive, se diverte, ora e trabalha; ser testemunha cristã no meio da comunidade
humana (cf. LG 33 e GS 42).
Ainda, decorrente dessa mesma
imagem de Igreja construída e encontrada no Concílio Vaticano II, precisam, os
leigos e leigas, ter consciência, compreender e assumir que:
Os cristãos leigos e leigas não
exercem um ministério supletivo, pois não são cristãos de segunda categoria e
por isso não podem mais agir como Igreja só quando convocados pelo clero e
bispos e/ou suas respectivas organizações; que o mandato eclesial torna-se
dispensável para que o leigo e a leiga trabalhe na edificação do Reinado de
Deus, do qual toda a Igreja é apenas um instrumento, compreendendo a Igreja não
como um fim em si mesma, mas apenas meio de salvação;
Podem e devem colaborar com os
sacerdotes, bispos, diáconos e com suas respectivas organizações, mas não podem
substituir padres, bispos e diáconos ou suas organizações em suas respectivas
especificidades de missão e de responsabilidade;
Devem, leigos e leigas, viver sua
vocação e missão no coração do mundo, assumindo esse mesmo mundo como o seu
lugar próprio e específico de missão e de evangelização, isto é, são chamados a
se colocarem a serviço das causas do Reino de Deus e a inculturar, no aqui e
agora do mundo no qual vivem, trabalham, convivem e oram, a mensagem e a
prática de Jesus de Nazaré, o Cristo, razão da sua fé;
O protagonismo dos leigos e
leigas se dá numa Igreja Povo de Deus e numa condição de relações entre iguais
em responsabilidade com os demais integrantes dessa Igreja de Jesus, o Cristo;
A religião não é mais a do Rei,
não é mais a da família, a da tradição, porque agora a religião é a da opção,
da adesão individual de pertença a esta ou àquela comunidade de fé religiosa;
O Vaticano II libertou o Espírito
Santo e os cristãos e cristãs precisam libertá-lo ainda mais, pois não há mais
o proprietário do sagrado, o proprietário de todas as verdades, de todo o
poder, isso porque a Igreja, em seu todo e totalidade é depositária do Espírito
Santo, que agora sopra onde quer, em quem quer e quando quer e é importante
reconhecer e dar-se conta que o Espírito Santo sopra também sobre e nos
cristãos leigos e leigas;
Precisa organizar-se, tanto
quanto necessário, para ser mais e melhor uma Igreja Povo de Deus a caminho do
Reino, onde quer que esteja, viva, ore e trabalhe;
Um ministério e/ou um serviço
eclesial somente tem razão de existência quando o mesmo estiver a serviço de
uma comunidade específica de fé.
4. O necessário dever dos bispos,
clero e respectivas organizações.
Da mesma forma que os cristãos
leigos e leigas têm uma missão própria e insubstituível no contexto da Igreja
de Jesus, também os bispos, clero e suas respectivas organizações têm um dever
próprio e específico. É pensamento do Concílio Vaticano II que todos os da
hierarquia eclesial precisam:
Ter consciência de que a razão de
existência de bispos, padres e suas diferentes estruturas organizativas e
cargos eclesiásticos, só têm motivo e razão de existência porque existem fiéis
leigos e leigas, comunidades cristãs e pessoas por serem evangelizadas, isto é,
reconhecer que alguém só pode exercer o pastoreio quando existirem ovelhas por
serem pastoreadas;
Reconhecer, resgatar e acolher a
dignidade de todos os seres humanos e estimular, valorizar e promover a
responsabilidade dos cristãos leigos e leigas em sua vocação e missão
específicas;
Utilizar-se dos saberes e
conselhos dos protagonistas do Reino de Deus que vivem, têm experiência de
Igreja e são a Igreja no coração do mundo;
Entregar e/ou confiar, aos leigos
e leigas, ofícios no serviço da Igreja instituição e também responsabilidades
organizativas e administrativas;
Reconhecer, estimular e promover
a liberdade e a amplitude da ação pastoral dos leigos e leigas, com ênfase para
aquela ação de testemunhas cristãs no coração do mundo;
Encorajar, apoiar e criar
condições para o surgimento, o fortalecimento e a continuidade de
empreendimentos laicos em outras e novas formas de serviço à causa do Reino e
Povo de Deus;
Reconhecer a justa liberdade de
trabalho, de articulação e de organização que compete aos cristãos, leigos e
leigas, no coração do mundo, para serem mais fortes, capazes, competentes e
persistentes em suas ações de missão e de evangelização.
5. A necessária Autonomia e
Comunhão
Esse tópico aponta para o fato de
que todos e todas que têm a consciência de pertença a uma comunidade de fé
cristã e integram a Igreja de Jesus precisam reconhecer que:
A autonomia não é sinal de
individualismo ou de assumir-se superior aos demais e sim sinal de garantia de
identidade. Isso porque a comunhão entre dois indivíduos ou mais, entre
instituições ou organismos, só é possível quando ambos se constituírem sujeitos
autônomos. Somente a autonomia dos sujeitos que interagem na Igreja de Jesus
pode garantir as condições para a comunhão, para a liberdade e para a
construção da identidade própria de cada um dos sujeitos presentes nessas
relações;
O sentido da existência do ser
humano, enquanto indivíduo, se situa no seu ser-para-o-outro, no seu
ser-com-o-outro; que é somente na condição de autonomia que ele pode decidir
ser-com-o-outro, que é somente na condição de autonomia que ele pode buscar e
propor comunhão e que é, também, somente a partir da condição de comunhão que são
constituídas e construídas as possibilidades de realização do homem e da
mulher, dos cristãos e cristãs, seres sócios dos e com os demais membros da
comunidade de fé;
O ser cristão de todos os membros
da Igreja de Jesus só é constituído e só se constrói na liberdade de adesão a
uma comunidade de fé cristã, de adesão à comunhão com os demais integrantes da
grande Igreja de Jesus Cristo, sejam os outros leigos ou leigas, diáconos,
sacerdotes, bispos ou religiosos;
A Igreja Povo de Deus é
essencialmente a comunidade dos fiéis, discípulos e seguidores do Mestre Jesus
de Nazaré, e que é intrínseco a essa comunidade, e dos que a compõem,
principalmente os leigos e leigas, serem testemunhas, sinais e protagonistas
dessa Igreja comunidade no coração dos seus respectivos mundos específicos;
“Os leigos, que devem participar
ativamente em toda a vida da Igreja, estão obrigados não somente a impregnar o
mundo de espírito cristão, mas também são chamados a serem testemunhas de
Cristo em tudo, no meio da comunidade humana” (GS 43).
6. Modelo de comunhão eclesial.
Na vida relacional das pessoas em
sociedade comunga-se de ideais, objetivos, metas, deuses, sonhos. São, também,
comungadas a paixão de uma torcida por seu time, a paixão ou a admiração comum
pela arte, pela música, literatura, tradição. O modelo de comunhão que a Igreja
de Jesus propõe e deseja viver é o modelo relacional de comunhão existente na
Trindade do Deus que é Pai, que é Filho e que é Espírito Santo. Portanto:
A comunhão existente entre o Pai,
o Filho e o Espírito Santo precisa ser o modelo de comunhão eclesial a ser
buscado. Essa comunhão trinitária é modelo para a comunhão desejada para a
Igreja porque, para acontecer qualquer comunhão, é necessária a doação total de
um ao outro, a exemplo da relação existente entre o Pai, o Filho e o Espírito
Santo que se doam inteiramente um ao outro;
Todos os cristãos e cristãs, a
exemplo da comunhão trinitária, precisam e/ou devem doar-se uns aos outros,
colocando-se em atitude de quem serve os outros; essa proposta reflete uma
expressão utilizada pelos papas quando os mesmos se auto-intitulam de ‘servo
dos servos de Deus’ ou ainda, no mesmo contexto, quando a expressão bíblica diz
que ‘quem quer ser o maior que se coloque a serviço dos outros”; doar-se ou servir
os outros, portanto, não combina com o servir-se dos outros para subir na vida,
para galgar posições mais altas, vantajosas e privilegiadas;
Acontece a construção da
comunhão, na Igreja Povo de Deus, quando cada cristão e cada cristã trabalhar e
colocar-se a serviço da implementação do Reinado de Deus em sua respectiva
realidade;
A comunhão se vive, se constitui
e se aprofunda também no estímulo, no respeito e no reconhecimento do serviço e
trabalho que o outro faz pela construção do Reino de Deus;
A comunhão Trinitária é o modelo
de qualquer comunhão eclesial, também a que deve estar presente na Igreja
Cristã Católica. Isso porque não acontece Igreja com um indivíduo sozinho.
Seria o mesmo que alguém dizer que é possível a existência de um grupo constituído
por uma só pessoa. Grupo e Igreja sempre exigem a presença de outros, a
presença de mais pessoas. O Deus Trinitário existe em comunidade e a Igreja de
Jesus é, necessária e intrinsecamente, uma comunidade constituída pelo grupo
dos que crêem, é sempre e necessariamente uma comunidade de pessoas;
A nova sociedade, protagonizada
no Reinado de Deus, é modelada e quer ser moldada na comunhão, e uma comunhão
que é mais do que democracia, isso porque a comunhão da qual se fala nesse
contexto é essencialmente comunhão fraterna;
São características, dessa Igreja
comunhão, o acolhimento, o diálogo, a participação, a colaboração, a
corresponsabilidade, as causas e interesses comuns, a comunicação, a
solidariedade, o perdão, a correção fraterna, a promoção da dignidade do outro,
o reconhecimento do valor do outro, o apoio ao crescimento e à realização do
outro;
Três são as dimensões dessa
comunhão eclesial: a comunhão com Deus, numa relação vertical e filial; a
comunhão com os outros, numa relação horizontal e fraterna e a comunhão com o
mundo, numa relação de respeito e valorização dos bens naturais e/ou das coisas
terrenas em benefício da promoção de todos os homens e mulheres;
Acontece, pois, comunhão quando
os cristãos e cristãs comungam, em Jesus, o Cristo, um Deus Trindade, a vida de
cada um e de cada uma, quando comungam seus desafios, problemas e vitórias,
quando comungam uma Igreja Povo de Deus a cominho do Reinado de Deus, quando
comungam uma Igreja comunidade de fiéis e de discípulos de Jesus e, ainda,
quando comungam a mesma crença e qualidade de comprometimento com as causas do
Reino de Deus como Jesus acreditou e esteve comprometido;
Não é suficiente, pois, acreditar
em Jesus, até porque os diabos desse mundo, no qual se vive, também acreditam
em Jesus e têm suas crenças comuns; isso significa dizer e reafirmar que é
necessário acreditar como Jesus acreditou nas causas do Reino de Deus, por
Jesus revelado e anunciado, para acontecer a desejada comunhão eclesial.
7. Necessária relação entre hierarquia e laicato.
Outra temática sobre a qual é
necessário falar é a que trata da qualidade das relações entre os leigos e a
hierarquia eclesial. Com certeza não se trata de um jogo, a qualquer preço, do
poder pelo poder e para ver quem manda e quem não manda, quem é maior, quem é
menor, quem vale mais e quem vale menos. A igualdade entre todos os cristãos
está fundamentada no fato de que todos são filhos e filhas de Deus, batizados
num mesmo batismo, e por isso irmãos e irmãs no irmão maior, Jesus Cristo. Essa
compreensão implica em reconhecer que:
Também o papa, os bispos e
sacerdotes integram e estão a serviço da comunidade de fiéis e da caminhada de
Igreja Povo de Deus, comprometidos com as mesmas causas do Reino, em vista da
concretização do Reinado de Deus, comprometimento esse igual ao exigido e
esperado dos demais membros dessa Igreja;
A nenhum cristão, seja ele leigo
ou membro da hierarquia, cabe o poder pelo poder, o mando pelo mando, o
servir-se dos outros, o gozar de privilégios; a todos cabe a atitude de
colocarem-se na dinâmica de quem está a serviço, de quem assume a atitude de
servo dos servos do Senhor; e isso significa, pois, entender e assumir que cabe
a todos serem testemunhas da comunhão a serviço de mais comunhão e que nessa
lógica, maior é aquele que mais se coloca a serviço dos outros, ou seja, aquele
que quiser ser o maior que seja o primeiro a colocar-se em atitude de quem
serve;
Cabe resgatar e promover, nos
leigos e leigas, a consciência de pertença à Igreja Povo de Deus, sem a sua necessária
clericalização ou intraeclesialização;
Cabe à hierarquia pensar, ser e
agir, fundamentada na igualdade intrínseca de todos os cristãos e na sua
igualdade de responsabilidades, advindas do mesmo batismo comum a todos,
reconhecendo, resgatando, respeitando, acolhendo e promovendo a diversidade de
dons, de tarefas, ministérios e serviços para o bem maior da Igreja Povo de
Deus;
Cabe, a todos os cristãos, ver,
ser e sentir-se Igreja em sua totalidade, pois só assim se saberá valorizar e
dar importância a cada parcela desse todo que é a Igreja de Jesus;
Cabe ver, na comunidade de fé
cristã, uma Igreja de batizados que, em seu todo, é maior que os elementos que
a compõem: bispos, padres, leigos e religiosos;
Cabe ressaltar a importância da
unidade, da comunhão, do serviço e da riqueza de expressões da Igreja de Jesus
Cristo, uma Igreja toda missionária e evangelizadora a serviço da concretização
do Reinado de Deus num mundo no qual todos os cristãos e todas as cristãs
vivem, convivem, oram, divertem-se e trabalham;
Cabe compreender que a legítima e
necessária distinção entre bispos, padres, religiosos e leigos não significa
separação, não significa cisão, ruptura ou serem contrários, e sim,
reconhecimento e acolhimento das respectivas identidades singulares, nas suas
mais ricas expressões, assumindo, de uma vez por todas, que diferente não é
sinônimo de contrário;
Cabe compreender que, como em
tudo ou em qualquer grupo, organização e instituição, há a necessidade de uma
coordenação e de alguém que, nas devidas instâncias e momentos, seja
responsável pela última palavra;
Cabe compreender que a questão
não está em ter ou não ter uma última palavra e sim como se chega a essa última
palavra, se originada apenas na cabeça de algum membro do grupo ou se originada
no consenso, no diálogo, na construção coletiva;
Cabe, finalmente, também
compreender que, tanto no sacerdócio ministerial quanto no sacerdócio comum dos
demais batizados, um não pode existir sem que o outro exista e que ambos, cada
um a seu modo participa do tríplice múnus salvífico de Cristo Rei, Sacerdote e
Profeta.
8. Características da identidade
laica.
Perguntas e questões que precisam
ser devidamente respondidas são as que tratam de quais são realmente as
características específicas dos cristãos leigos e leigas nesse contexto de
Igreja Povo de Deus. Sobre essa temática da identidade dos leigos e leigas é
pertinente dizer que:
“Os leigos são o conjunto dos
fiéis, não ordenados e/ou não consagrados que, pelo batismo, são constituídos
em Povo de Deus e que realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete,
a missão de todo o povo cristão” (LG 31); são homens e mulheres, não ordenados
e não consagrados, que vivem e focam a sua atenção e atuação, concentrados no
serviço às causas do Reino de Deus, no coração do mundo;
Os cristãos leigos e leigas são
aqueles que criam, constituem e moldam sua identidade, configurando suas vidas
de acordo com a proposta de Jesus na perspectiva da construção do Reinado de
Deus em comunhão com os demais membros da Igreja, mas agindo com o foco de sua
ação centrado no coração do mundo; que atuam em seus respectivos mundos,
comprometidos com o resgate e a promoção da dignidade humana, sob a ótica da
espiritualidade e da ética do Reino, vividas exemplarmente por Jesus;
São homens e mulheres
comprometidos, prioritariamente, com as causas dos pobres e dos excluídos, à
moda de Jesus, no coração do mundo; seguidores das práticas de Jesus de Nazaré,
o Cristo, razão da fé que professam, que são e agem de forma cristã nos
diferentes ambientes nos quais vivem, trabalham e se divertem; que se assumem
iguais em dignidade e responsabilidade com os demais membros da Igreja, Povo de
Deus;
São homens e mulheres,
intimamente sintonizados e comprometidos, no coração do mundo, com toda a
Igreja Povo de Deus, a caminho da construção do Reinado de Deus, que, no seu
jeito de viver e ser, constituem-se protagonistas da ação catequética e
evangelizadora em seus respectivos mundos específicos;
São homens e mulheres, enfim, que
colaboram, junto com os padres, bispos, diáconos, religiosos e integrantes dos
institutos seculares, com a construção do Reinado de Deus, através da Igreja
instrumento a serviço do Povo de Deus, cuja união “decorre da união dos
espíritos e dos corações, isto é, daquela fé e caridade pelas quais sua unidade
foi construída indissoluvelmente no Espírito Santo” (GS 42).
9. Protagonismo dos cristãos
leigos e leigas, uma questão intrínseca.
Algo intrínseco é uma
característica sem a qual algo ou alguém não é o que se diz ser ou se anuncia
ser. Intrínseco ao cristão, leigo e leiga, é compreender, anunciar e viver no
dia-a-dia a sua opção de ser cristão feita no batismo. Assim como é intrínseco
à roseira produzir rosas, à laranjeira produzir laranjas, ao pé de abacaxi
produzir abacaxis e ao abacateiro produzir abacates, é intrínseco e próprio do
cristão produzir frutos cristãos. Da mesma forma que a plena realização da
roseira, da laranjeira, do pé de abacaxi e do abacateiro é produzir seus
respectivos frutos, a plena realização do ser cristão, leigo e leiga, é
produzir seus frutos de protagonismo e de testemunha do Cristo no coração do
mundo. Se a roseira, a laranjeira, o pé de abacaxi e o abacateiro pudessem
falar é muito provável que se diriam felizes por ser o que são e por produzir o
que produzem.
Ser protagonista é ser possuído
por essa necessidade de ir à frente, de ir em frente, de colocar-se na ponta,
na frente, anunciando a sua alegria de ser o cristão e a cristã que dizem ser.
Nessa compreensão, o verdadeiro cristão e a verdadeira cristã são possuídos por
essa alegria e a anunciam na alegria de serem o que são, isto é, ele e ela não
conseguem não anunciar. Significa, pois, a partir do exposto acima, compreender
que:
O protagonismo do cristão leigo e
leiga, no e a partir do coração do mundo, não é uma concessão, um mandato ou
delegação recebida, concedida, dada, como se favor fosse, mas que é intrínseco
à sua própria condição de batizado e que é do batismo que decorre o direito e o
dever intrínsecos de serem homens e mulheres, cristãos comprometidos com a
implementação e a inculturação dos valores evangélicos no coração do mundo
específico no qual cada um, e cada uma, vive, ora, convive e trabalha;
“O apostolado dos leigos é
participação na própria missão salvífica da Igreja; que a esse apostolado são
destinados ao receberem o Batismo e a Confirmação” (LG 33). Por isso, o ser
leigo cristão implica necessariamente em ser protagonista da mensagem cristã
onde se vive, convive, trabalha e ora; significa, ainda, compreender que o
leigo cristão só é protagonista do Reino de Deus quando se diz cristão e age de
acordo com essa sua profissão de fé. Trata-se da necessária coerência entre o
dizer, o fazer e o ser.
10. O específico do cristão leigo e leiga.
O termo específico significa algo
próprio, só de alguém, é uma característica só de alguns que os distingue dos
demais. Significa compreender que o cristão batizado, leigo e leiga, exerce
papel de titularidade no campo da evangelização, ou seja, um papel próprio, específico
e só dele e, portanto, de sua única, exclusiva, indispensável, indeclinável e
inalienável responsabilidade. Para tanto, ele e ela precisam:
Viver plenamente a sua
secularidade, isto é, viver no, com e a partir do mundo que os cerca, isto é,
viver sua vocação e missão específicas no coração do mundo no qual encontram-se
inseridos;
Fermentar, salgar e ser luz do
mundo, a partir de dentro desse seu mundo, santificando-o, ordenando-o e
construindo-o na perspectiva do Reinado de Deus, isto é, ajudando a construir
um mundo no qual Deus tenha lugar e vez e no qual Deus seja reconhecido,
valorizado e amado através da sua presença e por causa da sua presença nesse
seu respectivo mundo;
Compreender e assumir, também,
que a qualidade cristã das famílias é de especial responsabilidade dos leigos e
leigas, porque a “salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente
ligada ao bem estar da comunidade conjugal e familiar” (GS 47); que a sua
família é uma escola de enriquecimento humano e que, por isso, todos aqueles
que exercem alguma influência nas comunidades e nos grupos sociais trabalhem
eficazmente para a promoção do matrimônio e da família cristã” (cfr.GS 52), uma
família à moda da família de Nazaré e da comunhão trinitária;
Compreender e assumir, com
conhecimento, responsabilidade, dedicação, amor e carinho o cuidado e a
promoção da instituição família, querida por Deus, e isso porque se o cristão,
leigo e leiga, não o fizer quem o fará, quem cuidará da família.
11. Como viver o específico da identidade do leigo e da leiga.
Outra questão que se impõe é a da
vivência do específico da identidade laical. Essa vivência só pode se dar:
Testemunhando, em primeiro lugar,
uma autêntica vida cristã em seu ambiente de vida familiar, de trabalho e de
lazer, agindo alicerçado nos parâmetros da ética cristã; sendo Profeta, Rei e
Sacerdote nas atitudes, comportamentos e ações desencadeadas no coração do
mundo onde cada leigo e leiga vive, convive, ora, diverte-se e trabalha;
Fazendo com que as práticas
cristãs de leigos e leigas sejam, prioritariamente, concretizadas no mundo e na
realidade na qual cada um e cada uma vive, convive, se relaciona, trabalha e
faz seu lazer.
12. Onde historiar e colocar em prática o específico do leigo e da
leiga.
Cabe destacar, no início desse
item, o que escrito na Gaudium et Spes, ao dizer que “o Concílio exorta os
cristãos, cidadãos de uma e outra cidade, a procurarem desempenhar fielmente
suas tarefas terrestres, guiados pelo espírito do Evangelho” (GS 43). A partir
dessa citação e das compreensões que vêm sendo desenvolvidas nesse estudo, é
possível deduzir, com facilidade, que o lugar próprio, específico, privilegiado
e prioritário onde tornar história esse específico do leigo e da leiga é o
vasto, complexo e dinâmico mundo da política, do social, do econômico, da
cultura, das ciências, das artes, da técnica, da comunicação, da vida, das
organizações e articulações nacionais e internacionais; que também é nas
questões relacionadas com a família, com os jovens, com a educação, com o
trabalho, com os sofrimentos e as diferentes formas de exclusão.
Para construir a história cristã
e viver a vida de cristão, o lugar próprio do leigo e da leiga é, portanto:
O mundo secular, e não dentro ou
em torno de um Templo, isso porque o cristão, leigo e leiga, não encontram
dentro do templo o seu campo específico de ação, ou seja, o templo é apenas um
lugar de celebrar, em comunidade, a vida e a fé cristã professadas;
Estar comprometido com a
evangelização, a santificação e o ordenamento do mundo para Deus, no e a partir
do mundo, sendo essa a modalidade de vida que caracteriza a distinção ou a
diferença entre o cristão, leigo e leiga, e o presbítero, o religioso ou a
religiosa;
No e a partir do mundo no qual
vive, convive, realiza o seu lazer e, em especial, no lugar onde exerce o seu
labor, a sua profissão.
13. Desafios presentes no lugar de exercício da vocação e missão laicas
O Brasil é um país inserido num
mundo globalizado com todas as suas conhecidas conseqüências e o leigo e a leiga
cristãos vivem e se existencializam, num aqui e agora concretos, marcado pelas
características desse mesmo mundo globalizado. Diante dessa realidade, leigos e
leigas precisam saber e ter consciência que:
O neoliberalismo capitalista, com
o seu espírito alicerçado em seus valores, se opõe aos valores propostos pela
prática de Jesus; isso porque, na proposta de Jesus, o ser humano é digno e
vale por sua imagem e semelhança com Deus, quando na proposta neoliberal o ser
humano merece respeito e vale por aquilo que tem, possui, consome ou produz;
A exclusão e a marginalização são
conseqüências de um processo que consagra um projeto global neoliberal
capitalista, intrinsecamente excludente; que nele, as vantagens são concebidas
para poucos; que o outro não pode participar; que o outro vale pelo quanto
produz e consome e que individualismo e egoísmo são a sua marca registrada;
A concentração da riqueza e da
renda é um processo já crônico no Brasil, na América Latina e nas demais partes
do mundo, constituindo-se numa característica intrínseca ao sistema neoliberal
capitalista;
Como conseqüência dessa realidade
acima, observa-se a queda da qualidade de vida das maiorias populacionais,
através de um salário mínimo insuficiente, da inadequação de investimentos na área
social, na educação, saúde, alimentação, mobilidade urbana, habitação;
A presença do crime organizado,
da corrupção em quase todas as instâncias e segmentos da sociedade, tanto civil
quanto pública, é uma realidade; que a discriminação generalizada por questões
de gênero e raça, a exclusão, a repressão e a falta de respeito à dignidade
humana é uma marca dessa mesma sociedade neoliberal capitalista;
O pagamento de uma dívida
pública, externa e interna, de origens não claras, duvidosas e impossíveis de
serem pagas, torna-se um fardo pesado demais para ser carregado pela imensa
maioria populacional, nada se fazendo, ou muito pouco, para mudar o status quo
organizacional e institucional da sociedade brasileira e mundial;
Essa qualidade social, cultural,
econômica e política é naturalizada e passa a fazer parte da paisagem
brasileira e, por isso mesmo, aceita, sem causar mais qualquer tipo de
indignação ética, entendendo-a como se natural fosse essa realidade.
14. Desafios, para o leigo e leiga, presentes na realidade
intra-eclesial.
Algumas práticas tradicionais da
Igreja fazem com que sejam encontradas dificuldades e desafios para se viver a
vocação e a missão da verdadeira Igreja de Jesus, o Cristo. Essas manifestações
tradicionais de ser Igreja provocam dificuldades de superação porque muitos
continuam pensando, e outros, voltando a pensar, que para existir a Igreja Povo
de Deus a mesma só pode acontecer dentro de uma comunidade de fiéis,
exclusivamente voltados para si mesmos, ou seja, intraeclesial.
Entre as causas provocadoras da
dificuldade de superação desses desafios podem ser citadas a existência e/ou a
presença:
De uma visão de Igreja demasiado
clericalizada, isto é, compreender que da Igreja fazem parte apenas os bispos,
padres e religiosos e também da existência de leigos e leigas que, muitas
vezes, são mais clérigos e mais padres que o próprio clero e padres;
De leigos e leigas que se sentem
incapazes de viver vida cristã sem que o padre esteja sempre junto com eles ou
que sempre lhes aponte e decida o que devem e/ou podem fazer ou não fazer em
seus respectivos ambientes do coração do mundo;
De uma visão dicotômica entre fé
e vida, entre a religião confessada e a vida vivida no dia-a-dia dos mundos
específicos, fazendo com que leigos e leigas se esqueçam de viver e testemunhar
a sua opção de fé, em primeiro lugar, no coração do mundo;
De uma religiosidade cristã nada
tendo a ver com as questões sociais e/ou com o resgate da cidadania e da
dignidade humana, acreditando até muito em Jesus, mas esquecendo-se de crer
como Jesus acreditou e esteve comprometido com os valores do Reino de Deus;
Do fato de que, muitas energias e
tempo são gastos com brigas e divisões entre os movimentos, pastorais e com a
própria hierarquia eclesial, esquecendo-se da riqueza e da diversidade de
alternativas e de dons que cada leigo e leiga, cada movimento e pastoral tem
para se colocar a serviço do Reino de Deus;
Da absolutização de posições e de
concepções particulares de entender Igreja, por parte de leigos e de padres,
absolutizando modos e lugares como únicos meios de salvação, de evangelização e
de ser Igreja, ou seja, leigos e padres afirmando que para alguém se salvar a
condição é participar desse ou daquele movimento, dessa ou daquela devoção.
Do fato de leigos e leigas,
padres e bispos, virem a fazer parte de “uma Igreja que está tão bem organizada
que não mais precisa de fé para funcionar”, vindo a transformarem-se apenas
em trabalhadores remunerados e
descomprometidos de uma instituição e em funcionários da fé e da oração dos
outros.
15. Entraves e doenças.
No contexto da vivência e do
gerenciamento eclesial são encontradas muitas doenças que se transformam em
entraves, vindo a impedir a vivência de uma vida mais parecida com a proposta
de Jesus. Sofre-se de muitas doenças que precisam ser curadas. Entre essas
doenças, que se transformam em entraves, podem ser citadas a doença:
Do clericalismo, do
autoritarismo, do querer ser mais padre que o próprio padre e a doença do viver
dicotomia entre fé e vida.
Do impor e do absolutizar o jeito
particular, o jeito do grupo, de cada um ou de cada uma de ser Igreja,
entendendo como se esse seu jeito fosse o único jeito e forma de alguém ser
cristão, ser Igreja, viver vida cristã e com isso salvar-se;
Do ficar bobamente perdendo tempo
com intrigas e brigas dentro da Igreja, esquecendo-se da riqueza e da
diversidade dos dons que são dados a cada um e a cada uma ou a cada grupo, dons
esses que precisam ser colocados a serviço da construção do Reino de Deus e da
Igreja Povo de Deus;
Da desorganização, da falta de
unidade, da falta de compreensão, de acolhimento, de respeito, de valorização e
de promoção do diferente que se encontra presente na riqueza da Igreja de
Jesus, assumindo que diferente não é sinônimo de contrário.
Sobre a dicotomia entre fé e
vida, presente no contexto da Igreja, a Gaudium et Spes se expressa, com muita
ênfase, dizendo que “este divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana, de
muitos, deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso tempo. Os
Profetas do Velho Testamento já denunciaram com veemência esse escândalo. E no
Novo Testamento, o próprio Jesus Cristo o ameaçava muito com graves penas.
Portanto, não se crie oposição artificial entre as atividades profissionais e
sociais de uma parte, e de outra, a vida religiosa” (GS 43).
16. Formação, organização e articulação do laicato como necessidade.
Para fazer frente a todos esses
desafios, apontados nesse estudo que fala da vocação, da missão e da identidade
laical, que aborda a necessidade de ser igreja a partir da realidade, que fala
sobre a necessidade de criar consciência eclesial, de conhecer qual o dever dos
padres e bispos, o que significa viver autonomia e comunhão, qual o modelo de
comunhão adotado pela Igreja, qual a qualidade de relação necessária entre a
hierarquia e o laicato, quais as características da identidade laical, qual o
específico do leigo e da leiga, como viver esse específico, quais os desafios
presentes no lugar da atuação especifica do laicato, quais os desafios
identificados dentro da própria Igreja e quais os entraves e as doenças
encontradas. Neste item, frente a todas essas constatações apresentam-se outros
novos desafios que são a formação, a capacitação, a organização e a articulação
dos leigos e leigas.
Verifica-se que, como condição
para o exercício de uma atuação mais eficiente e eficaz, é indispensável,
intransferível, inadiável e necessário:
Buscar uma melhor formação,
organização e articulação dos cristãos leigos e leigas, para melhor serem a
Igreja Povo de Deus nas diferentes realidades, nas quais vivem e, organizados e
articulados, com mais veemência, eficácia, consistência, força e consciência
poderem agir em favor da construção de uma sociedade mais humana, mais justa,
solidária e fraterna, tendo em vista a implementação e a inculturação dos
valores do Reino de Deus, anunciados por e em Jesus de Nazaré;
Melhorar a organização para somar
forças, para aprender mais, para serem mais fortes e para apoiarem-se mais,
melhor e mutuamente;
Conhecer mais a diversidade e a
riqueza de carismas presentes na vida da Igreja e também buscar um melhor
conhecimento do cerne da proposta cristã e do específico da vocação, missão e
compromisso dos cristãos leigos e leigas inseridos no mundo que vivem, oram,
trabalham, se divertem e convivem;
Criar consciência e assumir
realmente a vocação e a missão específicas de cristãos leigos e leigas, que é a
de estar no mundo para, a partir de dentro, poder modificá-lo, considerando que
nenhuma conversão e/ou mudança de atitudes acontece desde fora; é sempre a partir do interior de cada um, de
dentro das organizações, das associações, dos movimentos e instituições que as
mudanças podem acontecer, ou seja, também é de
dentro do mundo no qual se vive, ora, convive e trabalha que podem
acontecer as mudanças sólidas, contínuas, consistentes e transformadoras para
uma qualidade de vida mais de acordo com a proposta de Jesus.
Para fazer frente a esses
desafios, leigos e leigas, são estimulados e encorajados a se organizarem, a se
capacitarem, a se formarem e a se articularem para poder melhor cumprir e dar
conta desses seus desafios resultantes da sua vocação específica.
Nesse contexto, o laicato conta
com um grande aliado que é o Código Canônico, pois, de acordo com esse Código,
os leigos e leigas têm o direito de fundar e dirigir associações para fins de
caridade e piedade, para favorecer a vocação cristã no mundo e para a
consecução comum dessas finalidades (Cânone 215), visando à concretização do
Reinado de Deus já, aqui e agora.
Diante dos muitos desafios
decorrentes da vocação e da missão dos cristãos leigos e leigas e diante dos
desafios de se trabalhar nesses processos de mudança, de conversão e de
ressignificação do jeito de ser Igreja no coração do mundo, percebidos como
importantes e urgentes, há a necessidade de que esses mesmos leigos e leigas
sejam competentes, no mínimo em igualdade de condições com as outras forças
presentes neste mundo porque, em muitos desses ambientes, só se é aceito, se
muito competentes ou mais competentes que seus próprios colegas de trabalho,
criando assim condições de serem também ouvidos nas questões de cunho
religioso.
É, entretanto, convicção que a
inculturação da proposta cristã, além da competência profissional dos leigos e
leigas, se dá, principalmente, pelo testemunho de uma prática profissional e de
uma vida alicerçada na ética humano-cristã, cujos valores que a fundamentam são
muito diferentes dos valores integrantes, qualificadores e/ou matizadores da
ética e/ou da espiritualidade neoliberal capitalista.
É, portanto, fundamental e
necessário entender e assumir que se faz urgente buscar muita formação e
competência nos assuntos específicos da vida, da vocação e da missão dos
cristãos leigos e leigas, bem como muita formação e competência no campo
específico de suas respectivas profissões; isso para que, respeitados na sua
qualidade e competência profissional venham a se abrir também possibilidades de
presença e de aceitação do cristão leigo e leiga na discussão e na apresentação
de temáticas religiosas, cristãs e éticas nesses seus contextos de trabalho.
17. Apontando para conclusões.
Após esse estudo, discussão,
ponderações e apresentação de compreensões e princípios a serem assumidos e
vivenciados, por leigos e leigas comprometidos com as desejadas transformações
no coração do mundo onde vivem e trabalham, cabe destacar que:
Os cristãos leigos e leigas têm o
direito de buscar sua formação cristã e específica e também o direito de se
associar livremente dentro da comunhão da Igreja;
Os cristãos leigos e leigas têm
uma missão específica que é a de ser presença de Igreja no Coração do Mundo,
seu lugar próprio, prioritário e específico para viver a sua missão eclesial;
que possuem missão própria e função própria e por isso lhes cabe o direito de
reunirem-se para melhor compreender e assumir esse seu múnus específico, se
assim o desejarem;
Os cristãos, leigos e leigas, e
suas respectivas organizações, são importantes e indispensáveis para a
existência da Igreja Povo de Deus e para a ação organizada dessa mesma Igreja
no Coração do Mundo, constituindo-se nos principais protagonistas da proposta
do Reinado de Deus nesse seu campo específico;
São desafiados a serem, não
membros de segunda categoria, mas a assumirem o seu lugar próprio de
protagonistas e de pleno direito de missão no Coração do Mundo;
A família, os jovens, a educação,
a saúde, as comunidades eclesiais, a política, a economia, a pesquisa, a
ciência e as técnicas, o campo do lazer, da comunicação, do social, aguardam os
seus profetas.
A Igreja realmente acontece na
comunidade, nas organizações, movimentos, pastorais, associações de classe,
instituições e ambientes onde o cristão leigo e leiga faz a história, vive,
convive, trabalha, celebra; é onde também necessita de apoio para a sua vida e
vivência espiritual, onde precisa de acolhida, de compreensão, de valorização e
de promoção de sua dignidade de homem e de mulher e ainda onde o mesmo sonha
seus sonhos, busca seu sentido de vida e constrói suas utopias.
O comprometimento com as causas,
valores e proposta de Jesus de Nazaré, o Cristo, e o engajamento na construção
da Igreja Povo de Deus, acontecem na família, na sua comunidade e grupo de fé
da Linha São Pedro, da Picada Café, do Bairro Santa Marta, da Paróquia Santa
Teresinha, presentes numa Igreja Particular Diocesana. Cada cristão leigo e
cada cristã leiga testemunha, pois, a sua fé dentro e a partir de uma família e
comunidade concretas, onde vivem e convivem o João, a Maria, o Felipe, a Luana,
o José, o Rodrigo, a Raimunda, a Amanda, a Ida, o Xico dos Anzóis, todos com
seus endereços, uma história de vida singular, um trabalho específico, próximos
uns dos outros, conhecidos e reconhecidos por seus companheiros e suas
companheiras de caminhada eclesial. Nessa realidade está, em primeiríssimo
lugar, para cada cristão leigo e para cada cristã leiga, o coração do mundo
dentro do qual devem testemunhar a sua adesão específica de fé e é também nela
que cada um e cada uma precisa colocar e aquecer o seu coração.
À moda e jeito do cidadão e da
cidadã, cada cristão leigo e cada cristã leiga, deve participar opinando,
analisando, propondo e decidindo, onde cada leigo e cada leiga encontra-se
presente e atuante como integrante de uma Igreja viva e comprometida e com uma
vocação e uma missão a cumprir e a testemunhar. Isso significa que, de acordo
com o grau de inserção e atuação de cada um e de cada uma, os mesmos devem se
fazer ouvir e serem ouvidos, respeitados e promovidos.
O grande princípio inspirador,
motivador e norteador dessas reflexões, estudos e provocações acima, é o compromisso ético jesuano-cristão
decorrente do batismo e confirmação de cada um e de cada uma dos cristãos
leigos e leigas, frente a essa realidade que se apresenta tão desconforme com o
Plano de Deus para muitos dos homens e mulheres dos tempos do aqui e agora.
Como estratégia para todas as
ações e iniciativas é prudente e necessário adotar o princípio da construção
coletiva, da colegialidade, da corresponsabilidade e comunhão no serviço e a
serviço do Reinado de Deus, articulando-se com os demais cristãos e/ou
organismos da Igreja Povo de Deus.
O Concílio Vaticano II tem uma
palavra forte e animadora para os cristãos, leigos e leigas, ao dizer que “cada
um dos leigos deve ser, perante o mundo, testemunha da ressurreição e da vida
do Senhor Jesus e sinal do Deus vivo. Todos juntos, cada um na medida das suas
possibilidades, devem alimentar o mundo com frutos espirituais (cf.Gal 5,22), e
devem infundir-lhe o espírito que é próprio dos pobres, dos mansos e dos
pacíficos, daqueles que o Senhor no Evangelho proclamou bem-aventurados (cf.Mt
5,3-9). Numa palavra, “o que a alma é no corpo,
sejam-no os cristãos no mundo” (São João Crisóstomo) - (LG 38).
O coração do mundo terá seus Profetas?
Que o Espírito de Deus, que é
Santo,
ilumine a todos os cristãos, leigos
e leigas, nesses seus desafios ...
Campo Bom, 25 de julho de 2012
José Wilson Schlickmann
Muito interessante... o que mais me faz refletir são as considerações expressas no ponto 06, quanto à comunhão eclesial, da mesma forma que procuro meditar sobre a Eucaristia.
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