Queridos alunos e alunas,
é importante a gente ter os pés bem firmes na terra que somos
para melhor entender a proposta de Jesus para a nossa vida
Javé Deus formou o homem do pó da terra e insuflou nas suas narinas um hálito vital; assim o homem se tornou uma nêfesh vivente (Wolff, 1983, p.22).
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente,
nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é
uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar
para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito
(Freire, 1997, p.77).
Ao
longo da história do homem e da mulher, questões de fundo, que sempre os
acompanharam, são as que se perguntam sobre a sua identidade e o seu ser e as
que se perguntam sobre o para quê do seu existir, do seu fazer e sonhar, enfim,
questões sobre o sentido da sua existência. Essa busca de respostas acontece
com seres humanos, sujeitos situados num contexto histórico, acontece com seres
humanos que se constroem, que têm suas esperanças, suas utopias, que sofrem,
que se alegram, enfim, essa busca contínua é intrínseca à própria condição de
homem e de mulher, seres históricos.
O
homem e a mulher constituem-se protagonistas de todas as culturas constituídas
de esforços, progressos, recuos e avanços verificados na história humana;
constituídas, ainda, de suas crenças, valores, relações, daquilo que fazem, cultivam
e valorizam. Não haveriam práticas educativas, não haveriam conhecimentos
escolares, espiritualidades, valores, tecnologias, avanços científicos, não
fosse a existência do homem e da mulher conscientes de sua incompletude. Tudo o
que existe de consciente, passa, necessariamente, por um ser humano que se
pergunta sobre si mesmo, sobre o seu existir, sobre o sentido de tudo que o
cerca, sobre o sentido de tudo o que faz e sobre o sentido de todos os seus
sonhos e utopias. “Não me basta fazer perguntas; desejo saber responder à
única pergunta que parece incluir tudo o que eu enfrento: por que motivo estou
aqui?” (James, 1999, p.9).
Por que pesquisas que, como a medicina, a química e a
farmácia, a sociologia, a psicologia e a teologia, proclamam a sua vocação
humana, começam, de repente, a esquecer do homem?...E, de improviso, no meio de
um consumo em massa de instrumentos e medicamentos, de utopias e psicanálises,
explode uma fome elementar pela antropologia perdida: que vem a ser o homem?
(Wolff, 1983, p.9).
E
continua, o autor citado, suas interrogações, refundando a pertinência desses
questionamentos, estranhando a estranheza que o homem e a mulher têm de si, da
sua natureza, do seu lugar, da sua importância, da sua dificuldade de
compreensão de si mesmo e do outro, inseridos nos diferentes contextos que os
circundam.
O que ele sabe
sobre a sua natureza, sobre o seu tempo e o seu lugar no mundo? Será que, no
meio da sua plenitude de saber, a sua essência mais própria acabou por
resultar-lhe a coisa mais estranha?...Na mesma medida em que uma pessoa não se
pode colocar em frente de si mesma nem observar-se de todos os lados; na mesma
medida em que uma criança não pode saber, por si mesma, quem são seus pais, o
homem precisa fundamentalmente do encontro com um outro que o investigue e lhe
dê luz. Mas, onde está o outro a quem o ente humano possa perguntar: quem sou
eu? (Wolff, 1983, p.10).
O
homem e a mulher têm se apresentado e se manifestado através das suas ações e
expressões na corporeidade. Essas suas expressões são multifacetadas, plurais e
universais e, ao mesmo tempo, constituídas de caráter próprio, singular e
particular. Essa sua pluridiversidade e, ao mesmo tempo, essa sua singularidade
ao manifestar-se individual, acontecem na medida em que cada homem e cada
mulher, de um lado, participam da universalidade comum aos seres humanos e, de
outro, ao agirem, imprimem as suas marcas e os seus sinais, próprios e
particulares, naquilo que fazem e naquelas ações com as quais se envolvem, se
comprometem, projetam e sonham.
São
plurais, as ações do homem e da mulher, na medida em que os mesmos são plurais
em suas construções e em seus projetos de sentido de vida eleitos. Há, diante
do homem e da mulher, uma gama de possibilidades a serem eleitas, dependendo,
apenas, do fator eleição de sentido que os mesmos queiram dar às suas vidas e
existências. O ato de eleger, constitutivo intrínseco do ser humano, lhe
faculta a possibilidade de eleições includentes e excludentes. O livre arbítrio
é a garantia do homem e da mulher de poderem eleger, escolher, incluir e
excluir.
São
universais suas ações e expressões porque o homem e mulher comungam e
participam, com os outros seres humanos, de formas, estilos e modelos, também
comuns ao agir e ser de outros homens e mulheres, seus iguais. Ao mesmo tempo,
são particulares, porque o homem e mulher agem de forma própria, única e sempre
renovada; também, porque os mesmos constituem-se na singularidade e na
individualidade; ainda, porque constituídos originais, porque eles mesmos e,
por tudo isso, insubstituíveis em suas eleições e decisões.
O
agir do homem e da mulher, e eles próprios, acontecem matizados, a partir do
jeito próprio e particular de conceberem a realidade que os cerca e a partir da
forma própria de interagirem com o seu entorno. Esse agir acontece fundamentado
em suas crenças e suas convicções, alicerçado em seus valores, sentido de vida
eleito, consciência e pontos de vista que têm em relação à sua realidade e à
sua situação num contexto determinado e localizado, num tempo e espaço, num
aqui e agora.
O
homem e a mulher, ao agirem, o fazem, ainda, de forma intencional, porque suas
ações respondem a apelos, a necessidades, a interesses, a desejos, a sonhos
seus e, para alcançá-los, agem fundamentados e alicerçados em seus critérios
eletivos. Esses, por sua vez, encontram sustentação em seus valores, em suas
convicções, em seus pontos de vista, em seus saberes e no sentido que elegem e
constroem para as suas existências. O ser humano vive elegendo aquilo que cabe,
e é pertinente, dentro de seus critérios de importância, aquilo que vem ao
encontro dos seus referenciais éticos de vida, aquilo que vem ao encontro dos seus
valores, dos seus interesses, dos seus sonhos, nos quais entende haver um
sentido de existência, nos quais entende haver um sentido de fazer a sua vida
valer a pena.
Do
ponto de vista antropológico, cada homem e cada mulher, se experimenta como um
ser sujeito situado: sujeito, porque constituído pelas dimensões estruturais e,
sujeito situado, porque vive, se constitui, se expressa e se constrói nas
relações que estabelece com o mundo, com o outro e com o transcendente,
relações essas mediadas na sua dimensão de corporeidade. Essa experiência não
acontece numa subjetividade abstrata, mas sim numa experiência concreta,
situada, histórica, encarnada, constitutiva e intrínseca a cada homem e a cada
mulher singulares.
Enquanto
sujeito situado, o ser humano busca construir-se homem e mulher com os outros,
porque constituído relacional. Interroga-se sobre si, sobre seu sentido
existencial e sobre os seus que-fazeres, porque desejoso de auto-compreensão e
de autoconstrução, porque constituído de dimensão espiritual, da qual e na qual
brotam as questões de futuro, de transcendência, de sentido do seu ser e da sua
existência.
“O
homem não se resigna a uma vida carente de sentido porque nele aflora sempre o
problema de saber se a vida merece ou não ser vivida” (James, 1999, p.9).
Cabe a cada homem e a cada mulher uma tarefa a ser por eles empreendida que é a
da eleição de sentido existencial, que é a da sua auto-construção, que é a da
busca de sua completude e, nessas buscas, elege as suas condições de
auto-compreensão e de auto-realização.
Nessa
busca de compreensão de si mesmos, a primeira realidade com a qual o homem e a
mulher se deparam, é com a realidade da sua condição de seu próprio ser
situado. Essa é a primeira realidade que se apresenta ao ser humano, sujeito
situado, ou seja, a realidade que ele experimenta como questão sobre si mesmo é
o seu estar situado num aqui e num agora. Sempre serão, um homem e uma mulher,
inseridos e imbricados num situacional determinado, que se perguntam sobre si
mesmos e que se interrogam a respeito do sentido de suas vidas, sobre o sentido
de estarem onde estão e como estão, de fazerem o que fazem e como fazem e de
sonharem com o que sonham.
Esse
processo, contínuo e sempre mais aprofundado, de busca de compreensões sobre o
ser humano sujeito situado, sobre suas propriedades constitutivas estruturais e
relacionais e sobre as suas diferentes modalidades de expressividade, é uma
necessidade intrínseca ao homem e à mulher e, por isso, indispensável para
fundamentar qualquer projeto de existência e qualquer proposta de prática
educativa e de convivência, que tenha como fins, ajudar na busca de eleição de
sentido para a vida do próprio homem e mulher, em sua totalidade constitutiva e
existencial, em vista da sua realização e felicidade.
1.
As dimensões de estruturalidade do ser humano.
Cabe,
e é pertinente, nesse processo de busca de compreensão do homem e da mulher,
verificar, em primeiro lugar, a sua condição de ser humano sujeito. Porque ser
humano sujeito, a sua totalidade estrutural, intrínseca e dialeticamente
articuladas, imbricadas e integradas, é composta pelas categorias “do corpo
próprio, do psiquismo e do espírito, cuja unidade tem lugar na vida segundo o
espírito, que é a vida propriamente humana” (Vaz II, 1995, p.10). As
dimensões corpórea, psíquica e espiritual são intrínsecas a cada homem e a cada
mulher e, por isso, indispensáveis para a compreensão de ser humano que se
deseja construir e/ou desvelar.
A
corporeidade própria, entre as três dimensões estruturais, é aquela pela qual e
na qual manifesta-se a primeira percepção do ser humano, tanto para si mesmo,
quanto dele diante dos outros. Na corporeidade, o homem e a mulher, existem
diante de si mesmos e diante dos outros. Nesse seu existir corpóreo são identificados
três significados básicos para a palavra corpo: como totalidade física, como
totalidade biológica e como totalidade pessoal.
Na
totalidade física, o homem e a mulher, partilham sua igualdade com e no mundo
físico, fazendo parte do mesmo. Na totalidade biológica, estes mesmos homem e
mulher, são partícipes do mundo biológico, e por isso, integrados às suas leis
e dinâmicas de vida. Na totalidade pessoal, o homem e a mulher espirituais,
distinguem-se dos demais seres físicos e biológicos, constituindo-se sujeitos. “Somente
neste último caso, podemos falar de corpo como expressão do sujeito e de um eu
corporal, o que não é o caso do corpo físico e do corpo biológico” (Junges,
1999, p.76).
Essas percepções de si mesmos como
totalidade, e perante o outro também como totalidade, acontecem alicerçadas e
relacionadas com o seu corpo próprio, isto é, com a sua dimensão de
corporeidade. Esse processo de percepções de si e do outro são históricas. O
ser humano, na sua corporeidade, gradativamente, tem a percepção do seu corpo
próprio, constituindo-o expressão de si mesmo para si e para os outros, “possibilitando
que o corpo seja a própria manifestação da pessoa e não um puro instrumento ou
acessório dispensável” (Junges, 1999, p.76). Sem a corporeidade não há
manifestação de um eu indivíduo a um outro eu indivíduo. A dimensão corpo,
próprio do ser humano em sua totalidade existencial, é, portanto, constitutivo
intrínseco da sua expressão a si mesmo e aos outros.
Nessa
compreensão significa assumir que o corpo próprio, “como dimensão
constitutiva e expressiva do ser humano” (Junges, 1999, p.76), constitui-se
na manifestação do homem e da mulher a si mesmos e aos outros, um corpo sujeito
que se revela a si e se revela aos outros. “Como corpo próprio tem uma
presença intencional e está de uma maneira ativa como ser-no-mundo” (Junges,
1999, p.77). Age transformando, construindo-se, buscando modificações. É também
na dimensão de corporeidade, ou no corpo próprio, que as dimensões psíquica e
espiritual e as dimensões relacionais e as outras formas históricas de
expressão do ser humano se manifestam.
É
a partir da compreensão de ser humano, identificado com a sua corporeidade, ou
com o seu corpo próprio sujeito, que se fundamenta afirmar que o ser humano é o
seu corpo, que é presença corporal imediata e que se expressa num corpo próprio
sujeito. O ser humano é, por isso mesmo, intrinsecamente, o seu corpo, a sua
corporeidade. “O corpo é o próprio sujeito, estruturando-se em formas
expressivas que traduzem sua presença exteriorizada no mundo” (Junges,
1999, p.78).
É
por isso que não há respeito à dignidade humana sem que a corporeidade, do
homem e da mulher, seja também respeitada, acolhida, valorizada e promovida,
sem que haja o reconhecimento e a valorização do ser humano corpo. É condição
da dignidade humana, portanto, o reconhecimento, a valorização e a promoção do
ser humano na sua dimensão de corporeidade. Entretanto, esse mesmo homem e
mulher, não se esgotam nessa sua dimensão de corporeidade.
O
psiquismo é outra das dimensões estruturais do ser humano, que é também
mediatizada na dimensão corpórea, como a própria corporeidade a é. O ser humano
psíquico precisa da corporeidade humana para manifestar-se, para auto-revelar-se,
visto ser a corporeidade própria a sua condição de percepção, de expressão e de
auto-revelação e, ainda, visto ser, a corporeidade, a sua condição de
presentificar-se a si mesmo e aos outros, de estar consigo e de estar com os
outros. A dimensão corpórea é a mediadora da dimensão psíquica do ser humano e
é, por isso, na corporeidade do homem e da mulher, que o psiquismo humano se
manifesta e se torna imanente.
O psiquismo não
é presença imediata do sujeito face aos outros e à realidade, mas mediatizada
pela presença somática; necessita da linguagem do corpo para expressar-se. O
psiquismo representa uma posição mediadora entre a presença imediata ao mundo
pelo corpo próprio e a presença interior absoluta pelo espírito (Junges, 1999,
p.80).
Constitui-se,
o psiquismo, em uma estrutura intermediária entre a dimensão somática e a
dimensão espiritual do homem e da mulher. É o elemento de união entre o
corpóreo e o espiritual. A dimensão psíquica presentifica-se, pois, também
mediatizada na corporeidade. “No domínio psíquico, começa o homem interior e
delineia-se a interioridade, a consciência, a reflexividade” (Junges, 1999,
p.79). Essa dimensão psíquica do ser humano caracteriza-se, de um lado, por
garantir a irredutibilidade do psíquico ao somático porque o ser humano
transcende o seu corpo e se abre para a sua realidade interior, que não é
somática e, de outro lado, por garantir a irredutibilidade do ser humano ao
psiquismo porque o mesmo não pode ser reduzido à sua interioridade, pois
confrontaria com o horizonte de sentido, que transcende o seu mundo psíquico, a
dimensão espiritual.
O
psiquismo faz junção da corporeidade pessoal com a dimensão espiritual,
característica identificadora do ser humano. “O psiquismo representa a posição
mediadora entre a presença imediata ao mundo pelo corpo próprio e a presença
interior absoluta pelo espírito” (Junges, 1999, p.80). Nesse sentido, da
mesma forma como na dimensão de corporeidade, não existe respeito à dignidade
humana sem que haja respeito, acolhida, valorização e promoção do mundo
interior da pessoa, sem que haja o reconhecimento e a valorização do ser humano
psíquico.
A
terceira das dimensões de estruturalidade do ser humano, é a sua dimensão
espiritual. Essa transcende a corporeidade e o psiquismo e garante a unidade
ontológica de cada homem e de cada mulher e lhes confere condições de definição
de sentido de existência. É na dimensão espiritual que as questões sobre o
sentido da vida, sobre o significado do trabalho, e da própria existência do
homem e da mulher, deverão encontrar respostas de significado e sentido
existencial.
No
âmbito da dimensão espiritual, a questão básica, não parece ser se a vida tem
que valer a pena ou não. Nessa dimensão, a questão pertinente é qual vida sim e
qual vida não, qual qualidade de vida vale a pena viver e qual qualidade de
vida não vale a pena viver. Se uma vida tem que valer a pena, é nessa dimensão,
a espiritual, que o homem e a mulher constroem a resposta de qual vida valerá a
pena. Isso porque
o espírito é o
lugar de manifestação do sentido. Ninguém pode viver sem descobrir um sentido
para a sua vida, a sua ação, a sua realidade. A existência, os outros, o mundo,
têm um significado que se revela no espírito. O ser humano é um ser de significados;
busca descobrir o sentido de todas as coisas. O espírito é a revelação e a
atualização do sentido de todas as coisas (Junges, 1999, p.82).
É
na dimensão espiritual que o homem e a mulher compreendem e fazem as suas
eleições de qual vida sim e de qual vida não. O eu sujeito, de cada uma das
pessoas, as relações de cada homem e de cada mulher com o outro, com o mundo e
com o transcendente, conferem e adquirem os sentidos e significados na dimensão
espiritual. Nessa dimensão, o ser humano encontra espaços e razões para definir
e eleger um sentido de vida para a sua condição existencial e é, também nessa
dimensão, que o mesmo ser humano encontra espaços e razões para definir e
eleger qual o valor e qual o sentido a ser conferido às suas relações com o outro,
com o mundo e com o transcendente. É nessa dimensão que o homem e a mulher
definem e elegem a qualidade dos valores a serem agregados à sua dimensão
espiritual, vindo a constituir-lhes a sua espiritualidade, ou a sua filosofia
de vida, ou ainda a sua qualidade ética.
É
nessa dimensão, ainda, que o ser humano encontra um horizonte sempre aberto à
construção das suas utopias, dos seus sonhos e das suas novas possibilidades de
eleição de sentido existencial, um horizonte sempre aberto à compreensão do sentido
das novas manifestações da realidade que o cerca e das novas compreensões de
sentido que o mesmo faz dele próprio e dos outros como sujeito relacional,
dinâmico e situado. “A experiência espiritual como experiência de sentido é
a experiência mais fundamental e abarcadora do ser humano” (Junges, 1999,
p. 83). É dentro desse contexto de compreensão que a vida, segundo o espírito, “é
a vida propriamente humana” (Vaz II, 1995, p.10), isto é, o diferencial
significativo humano é marcado e alicerçado na e pela dimensão espiritual em
sua relação com o transcendente.
As próprias
obras do espírito humano (arte, filosofia, religião) apontam para essa
transcendência do ser humano. O espírito é o lugar da manifestação do sentido
de todas as coisas. Assim, ele procura dar sentido à sua existência e ao seu
agir, sentido que não se identifica com sua exterioridade somática nem com sua
interioridade psíquica, mas transcende-as, abrindo um horizonte infinito
(Junges, 2000, p.160, in Osowski et alii).
A
experiência espiritual da transcendentalidade e da infinitude são a mais
fundamental, abarcadora e radical experiência que o ser humano faz da sua
inteireza e da sua totalidade. Isso significa compreender que as dimensões da
corporeidade e do psiquismo são assumidas no ser humano sujeito através da
dimensão espiritual que garante sentido ao ser humano inteiro e totalidade. É
nas dimensões espiritual, psíquica e corpórea que acontece a unidade do homem e
da mulher, é nelas que acontecem a compreensão e a constituição da sua unidade
ontológica. Mas, é na dimensão espiritual que o homem e a mulher, inteiros em
suas histórias, garantem sentido e valor para as suas vidas. “É necessário
uma identidade própria através da apropriação da exterioridade corporal e da
interioridade psíquica como sujeito, para que possa emergir o dinamismo do
horizonte transcendental da estrutura espiritual que abre para a busca da
verdade e do bem” (Junges, 1999, p.83).
Na
esfera da dimensão espiritual é que cada ser humano faz a eleição do sentido a
ser conferido à sua vida, à sua história, às suas ações, aos seus projetos, ao
seu trabalho, sua existência, suas esperanças, seus sonhos, concebidos,
desejados e sonhados como possíveis. É, pois, na dimensão espiritual que o
corpóreo e o psíquico humanos adquirem sentido, dignidade e valor de
existência, isto é, sem a dimensão espiritual, homens e mulheres
descaracterizam-se como seres humanos.
A
compreensão de ser humano como unidade ontológica, na qual se encontram,
dialógica e intrinsecamente imbricadas a dimensão corpórea, psíquica e
espiritual e, o respeito a esse homem e a essa mulher assim concebidos, são
promotores de um ser humano sujeito de sua história, com uma dignidade a ser
reconhecida, valorizada e promovida. Aqui vale o já escrito para as dimensões
corpórea e psíquica: não existe respeito à dignidade humana sem respeito,
acolhida, valorização e promoção da dimensão espiritual do homem e da mulher,
isto é, sem o reconhecimento e a valorização do ser humano espiritual.
A
concepção de unidade ontológica do ser humano vai exigir que todos os homens e
mulheres, na sua individualidade e singularidade, sejam entendidos e assumidos
como sujeitos inteiros e com uma dignidade e um valor específicos a serem
respeitados, acolhidos e promovidos. Será necessário conferir e reconhecer ao
ser humano, homens todos e mulheres todas, o seu direito de experimentar
valorizadas, acolhidas e promovidas a sua dignidade individual, o seu direito à
auto-realização, o seu direito à conquista da totalidade existencial e o seu
direito de terem seus direitos valorizados em plenitude, porque “o ser
humano é fim em si mesmo e nisso consiste justamente a sua dignidade”
(Junges, 1999, p.111). Em outras palavras, nisso constitui-se o ser humano
integral. Portanto, acolher, respeitar e promover o homem e a mulher é
dignificá-los em sua inteireza constitutiva.
O
ser humano, ontologicamente concebido como unidade, a partir das suas dimensões
estruturais, exprime para o mundo, para a sociedade e perante si próprio, a sua
situação constitutiva na tríplice forma da presença corporal, da presença
psíquica e da presença espiritual, mediadas na dimensão da sua corporeidade.
O
ser humano sujeito é, assim, um dizer-se a si mesmo e aos outros e é,
essencialmente, mediação através da sua corporeidade, na qual, dialógica e
intrinsecamente unidas e imbricadas, se encontram a sua dimensão psíquica e a
sua dimensão espiritual. As três dimensões estruturais circunscrevem a
realidade do ser humano como sujeito, capaz de assumir-se, compreender-se e
interrogar-se sobre si mesmo. Essas dimensões, intrínsecas e constitutivas do
homem e da mulher, manifestam-se mediatizadas no mundo, no outro e no
transcendente, isto é, apresentam-se através das dimensões constitutivas
relacionais e de outras modalidades de expressão do homem e da mulher
construídas em sua história.
2.
As dimensões de relacionalidade do homem e da mulher.
Cabe,
e é pertinente, verificar e identificar, nesta parte do estudo, a condição do
ser humano sujeito situado.
As estruturas
antropológicas compreendem o ser humano como sujeito; as relações, como sujeito
situado. As estruturas determinam a forma de expressão que o ser humano dá à
sua realidade através das diferentes modalidades de experiência: o corpo, o
psiquismo e o espírito. Trata-se agora de determinar o conteúdo dessa forma de
expressão, adquirido ad extra pelas relações (Junges, 1999, p. 86).
O
dizer-se presença no mundo, presença face ao outro e presença face ao absoluto,
é próprio do ser humano situado. O homem e a mulher, na qualidade de sujeitos
situados, por outro lado, são encontrados e constituídos nas suas dimensões
relacionais. Esse ser humano, homem e mulher, é sujeito ativo e interativo na
tridimensionalidade relacional com o mundo, com o outro e com o transcendente.
Situa-se, no seu entorno, através das dimensões relacionais e constitui-se
sujeito situado nessa tridimensionalidade relacional.
A
totalidade estrutural é a que garante a unidade ontológica do ser humano e a
mesma se expressa na tríplice forma da corporeidade, do psiquismo e do
espírito. Essa mesma totalidade estrutural assegura-lhe a sua identidade
ontológica e define-o como um ser-em-situação ou como um ser-de-presença na
realidade com a qual se encontra intrínseca, imbricada e dialeticamente
relacionado. Esse ser humano, inteiro e unidade ontológica, relaciona-se,
portanto, com suas circunstâncias e, é também, constituído de e com as suas
circunstâncias, de e com o seu entorno. Essas relações que acontecem na sua
unidade ontológica de homem e de mulher são também seus constitutivos
intrínsecos.
A
relação dialética e intrínseca com a realidade que o cerca, e com as suas
circunstâncias, é decorrente da unidade ontológica estrutural e relacional do
ser humano. A unidade ontológica lhe confere uma abertura intencional à
realidade na qual está situado e com a qual se relaciona situadamente, buscando
sentido nessas suas relações, que é determinado, como condição fundante, pela
presença da dimensão espiritual que se pergunta e constrói sentidos ao seu ser,
pensar, fazer e sonhar e ao seu relacionar-se e expressar-se.
É
importante destacar que, por unidade ontológica do ser humano, se entende o ser
humano como sujeito inteiro situado e que é a totalidade do seu ser que se
relaciona situadamente como sujeito ativo e interativo. Isto é, o homem e a
mulher, em sua unidade ontológica, são compreendidos a partir da sua
constitutividade estrutural e relacional. “O mundo exterior do corpo
próprio, o mundo interior do psiquismo, e a identidade dialética do exterior e
do interior no espírito constituem uma totalidade estrutural e é essa
totalidade que define o homem como ser situado ou que circunscreve o espaço
intencional da sua presença ao ser” (Vaz II,
1995, p.13).
O
ser humano, pois, tendo garantido a unidade estrutural, que lhe assegura a sua
identidade ontológica, una, indivisa, íntegra e, isso na condição de iguais uns
aos outros, ao constituir-se, também a partir das suas relações diversificadas
com o mundo, com os outros e com o transcendente, constitui-se intrinsecamente
relacional e diversificado. Nessa sua constitutividade relacional, o mesmo
constrói-se necessitado dos outros, necessário aos outros e diferente dos
outros. Essa diversidade, multiplicidade e pluralidade de seres humanos,
criados pelas conseqüências das suas diferentes modalidades de expressão e das
suas diferentes relações constituídas com o mundo, com os outros e com o
transcendente, torna-os, portanto, uns diferentes dos outros.
O
ser humano, sujeito situado, vive uma relação tríplice com a realidade que o
cerca. Mantém relação de objetividade com o mundo, de intersubjetividade com os
outros e de transcendência com o Transcendente. “Na relação de objetividade
a primazia é dada ao corpo próprio, na relação de intersubjetividade a primazia
é dada ao psiquismo, e na relação de transcendência a primazia é dada ao
espírito” (Vaz II, 1995, p.14).
Cada
uma dessas esferas de relação, constituídas na unidade ontológica do corpo,
psiquismo e espírito, fazem, do homem e da mulher, um ser-em-situação na sua
totalidade estrutural existencial e relacional e o fazem também sujeito ativo e
interativo circunstanciado. Ele é relacional como totalidade somático-psíquico-espiritual
e essa unidade e totalidade estrutural e relacional, lhe assegura uma
identidade ontológica como sujeito situado. Isto porque
o corpo próprio
é a condição de possibilidade da presença no mundo; o psiquismo, condição de
possibilidade da presença face ao outro; o espírito, condição de possibilidade
da presença face ao absoluto. O ser humano é ser-em-relação segundo a
totalidade que o constitui como corpo, psiquismo e espírito. Ele é relacional
como totalidade somático-psíquico-espiritual (Junges, 1999, p.86).
O
ser humano sujeito só pode ser compreendido a partir do seu circunstancial, a
partir do seu entorno e da sua realidade relacional que se expressa na
singularidade, na unidade e na totalidade situada. As três esferas de relação
do ser humano, de objetividade com o mundo, de intersubjetividade com o outro e
de transcendência com o transcendente, o constituem como um ser-em-relação na
sua singularidade e na sua unidade e totalidade existencial. Nessas dimensões
relacionais são, pois, constituídas e construídas as diferenças expressivas que
particularizam e individualizam cada homem e cada mulher.
Na
relação de objetividade com o mundo acontece uma relação ativa unilateral. Ela
se faz presente na medida em que o ser humano marca sua presença no mundo,
agindo ativamente; é o exercício de organizar e de compor, intencionalmente, o
seu mundo e marcar sua presença como ser-no-mundo. É uma relação ativa que se
estabelece com o mundo, caracterizada por uma relação de não-reciprocidade. Há
apenas a presença de uma relação unilateral ativa, a presença apenas de uma
intencionalidade, a do ser humano. “A relação de objetividade humana
expressa-se na categoria de mundo e se caracteriza pela não-reciprocidade”
(Junges, 1999, p.87).
Na
relação de intersubjetividade com o outro, há o pressuposto da reciprocidade e
da interatividade. Há, pois, a necessidade intrínseca da participação do outro
como interlocutor. Nessa relação há a presença de duas intencionalidades e, por
isso, essa relação de intersubjetividade, constitui-se numa relação de
reciprocidade interativa. Instaura-se uma relação dialógica e interativa com um
outro eu. “Na relação de intersubjetividade, estamos diante de duas
infinitudes intencionais que se relacionam. É a reciprocidade de relação”
(Junges, 1999, p.89). Essa relação provoca e exige a presença, a participação e
o comparecimento do outro como interlocutor e faz, do ser humano, um
ser-com-os-outros, um ser-para-os-outros, um ser que se constitui sujeito na
relação com um outro sujeito.
A relação de
intersubjetividade é fundamental para a compreensão do valor do outro, para o
reconhecimento e a acolhida da dignidade do outro. A intersubjetividade traz
como exigência o dever do respeito ao outro e o dever de uma preocupação e uma
ocupação ativa com o bem do outro, para que o mesmo seja também um sujeito
capaz de encontros e relações dialógicas e interativas com outros seres humanos
sujeitos situados. O meu ser sujeito acontece mediatizado pelo reconhecimento e
acolhimento do outro. “O sujeito é reconhecido como sujeito, quando
reconhece o outro como sujeito” (Junges, 1999, p.91).
A
valorização e a promoção da vida, e da dignidade e do valor do outro, são
condições para a vida e a dignidade do eu e do outro nessa relação. O outro é
indispensável para que o eu seja; da mesma forma que o meu eu é igualmente
indispensável para que o eu do outro possa reconhecer-me como um outro no meu
eu. O eu e o outro interativamente se exigem. É necessária a presença do outro
para que o eu continue existindo. Suas relações são intrinsecamente
mediatizadas pelas presenças interativas de um ao outro.
Nas relações
de transcendência, por sua vez, há a superação da relação de objetividade e de
intersubjetividade, pois a relação de transcendência acontece entre sujeitos
espirituais. “O encontro humano é sempre encontro entre sujeitos e como tal,
encontro espiritual, pois a relação entre sujeitos não acontece no nível
empírico, mas transcendental, já que é um encontro entre sujeitos espirituais
portadores de sentido que se reconhecem”
(Junges, 1999, p.92).
Aparece, nessa
dimensão relacional, o caráter de transcendência do homem e da mulher. Na
relação entre seres humanos sujeitos espirituais há o reconhecimento e a
valoração do outro como sujeito. No ato do reconhecer-se é garantida a
diferença, percebe-se o outro diferente, é garantida a atitude de acolhimento
mútuo, é reconhecida a individualidade e a singularidade de cada sujeito da
relação, é respeitada a originalidade e a identidade do outro, é garantida a
compreensão e o acolhimento mútuo da dignidade e do valor do outro como
sujeitos. No ato de reconhecerem-se e acolherem-se, os sujeitos não se anulam,
mas se exigem um ao outro, como condição de existência de ambos, porque
sujeitos espirituais.
Nessa relação de
transcendência, há também a presença do absoluto que supera e transcende a
contingência do mundo e a limitação do outro. “A relação de transcendência
designa uma forma de relação entre o sujeito situado no mundo e na história e
uma realidade que está além da realidade que lhe é imediatamente acessível” (Junges,
1999, p.94).
Essa relação de
transcendência lhe é imediatamente acessível porque o ser humano compreendido
como sujeito espiritual, superando o mundo e a história e indo além do seu
ser-no-mundo e do seu ser-com-o-outro, percebe-se, situa-se e busca o sentido
último da sua existência, dos seus sonhos e utopias, na transcendência, nesse
seu ser para e com o absoluto.
Essa mesma
relação com o absoluto tem caráter de não-reciprocidade e de reciprocidade. “A
relação com o absoluto é, por um lado, não recíproca; por outro, recíproca”
(Junges, 1999, p. 95). De um lado, possui caráter de relação de reciprocidade
interativa porque, na imanência do absoluto ao sujeito, o ser humano participa,
no mais íntimo do seu ser, da infinitude do absoluto. Por outro lado, o caráter
da relação de não-reciprocidade se constitui porque o absoluto é, ao mesmo
tempo, totalmente transcendente ao sujeito situado, cabendo ao absoluto a
iniciativa gratuita da relação. O valioso absoluto toma a iniciativa. Dessa
forma, o absoluto é, ao mesmo tempo, totalmente transcendente e totalmente
imanente ao ser humano, sujeito situado no mundo e na história. Segundo a visão
cristã, nessa compreensão acontece a encarnação do Absoluto que se manifestou e
se revelou em Jesus de Nazaré.
Nessa relação de
transcendência, cabe, ao homem e à mulher, fazer experiências distintas de
percepção do Absoluto. Os mesmos homem e mulher percebem, distintamente, na
transcendência, o sentido de sua existência na medida em que experimentam o
Absoluto como verdade, como bem e como Existente Absoluto, na medida em que se
experienciam como criadores no pai, criados e irmãos no filho e amorosos no
espírito.
Existem três experiências da transcendência
nas quais o absoluto é captado como sentido: a experiência da verdade, como
medida de todo o conhecimento – conhecer é buscar a verdade; a experiência do
bem, como norma de toda a ação – agir é realizar o bem; e a experiência do
Existente absoluto, como princípio de todo existir humano – crer é depender do
Existente absoluto (Junges, 1999, p.95).
Essas
experiências de transcendência se estabelecem, pois, no experienciar a verdade
identificada no Absoluto como medida de tudo; e, diante dessa verdade, o ser
humano tende naturalmente para o seu acolhimento e o seu reconhecimento; no
experienciar o bem, diante do qual o agir humano e a sua postura ética tendem
naturalmente, há a busca de sua identificação com o Bem Absoluto e, por fim, a
experiência do Existente Absoluto, como princípio de todo o existir humano, é
feita no deixar-se depender desse Existente Absoluto, assumindo-o como princípio
e razão que alicerça o seu ser e o seu existir como homem e mulher.
A
existência do ser humano, em sua totalidade constitutiva estrutural e
relacional, tem, portanto, segundo essa concepção, três razões fundantes:
perceber-se buscando em tudo a verdade no absoluto como medida de tudo;
perceber-se agindo na perspectiva de em tudo realizar o bem como norma de seu
comportamento; e perceber-se existindo na provisoriedade de quem, em tudo,
depende do Existente absoluto.
3.
Realização do homem e da mulher.
Na
auto-realização o homem e a mulher se expressam plenos de sentido e de
satisfação; é na auto-realização que se plenifica o sentido eleito e conferido
pelo ser humano à sua existência. A realização do homem e da mulher encontra-se
fundamentada, basilarmente, nas mesmas dimensões da corporeidade, do psiquismo
e do espírito e nas categorias relacionais da objetividade, da
intersubjetividade e da transcendência, elevadas à plenitude e à completude.
A
garantia de sentido pleno para a existência do ser humano é compreendida na
dimensão da auto-realização e é nesse campo de desafios que se busca constatar
o maior ou o menor grau de concretização das ações e iniciativas de
dignificação, de plenificação e de cidadanização para a existência singular de
cada homem e de cada mulher. “Essa auto-realização é um movimento de
auto-expressão, que é liberdade, pois é assumir-se como sujeito. Trata-se de
tornar-se sujeito, levando à expressão as estruturas do corpo, psique e
espírito através das relações com a realidade (mundo, os outros, o absoluto)” (Junges, 2000, p.162, in Osowski et alii).
O
ser humano é autor sujeito da sua história enquanto mantém uma relação de
iniciativa diante do mundo que o circunda e enquanto é sujeito co-autor da
história que, junto com outros seres humanos e em comunidade, constrói a partir
da relação de reciprocidade e de interatividade. Enquanto sujeito, o ser humano
faz uma experiência de tornar-se sujeito sempre situada, isto é, interpenetrada
de presenças a si mesmo, aos outros e ao mundo. É inspirado e animado pelo
sentido que atribui às suas iniciativas e ações, por ele protagonizadas, que
ele se acontece plenamente na sua relação de objetividade, de
intersubjetividade e de transcendência e é também inspirado e animado na sua
relação espiritual e de transcendência que o mesmo encontra sentido existencial
para a sua vida valer plenamente a pena e é ainda na medida em que participa de
condições para o exercício pleno da sua cidadania que o mesmo encontra a sua
auto-realização.
Essa
realização é construída e conquistada, segundo essa compreensão, na medida em
que o ser humano conseguir realizar seus projetos e seus sonhos, na medida em
que concretizar aquilo que o plenifica, aquilo que o enche de satisfação, na
medida em que se sente feliz, contente com o seu estado de ser, ousando sonhar
e sonhando sonhos sempre mais ousados e contudo sentindo-se bem sendo o que é,
faz e vive. Johannes Hessen, ao falar do sentido da vida humana, afirma “que
o fim supremo do homem é justamente este: ser homem, fazer-se homem”
(Hessen, 1980, p.242), constituir-se plenamente humano. Nisso estará a
realização do homem e da mulher singulares.
“A
necessidade da escolha do fim e da vida que lhe corresponde, coloca o ser
humano diante de vários modelos de auto-realização, oferecidos pela tradição
cultural e ética” (Junges, 1999, p.98). Cabe, a cada homem e a cada mulher,
na liberdade e autonomia, elegerem qual o sentido a ser dado à sua vida e
existência. A auto-realização é conseqüência da dialética harmoniosa e
intrínseca que acontece entre as dimensões estruturais e relacionais do ser
humano e o ideal de sentido de existência eleito por ele próprio. A realização
dos valores eleitos como importantes para a vida do homem e da mulher é a sua
própria condição única de realização. Esse dever-ser dos valores eleitos não é
senão “o apelo que os valores dirigem ao homem e que este tem de realizar,
se quiser obedecer à lei da sua própria auto-realização” (Hessen, 1980,
p.248).
A
eleição de sentido existencial e o conseqüente sentimento de satisfação e de
realização constituem-se, necessariamente, em tarefas que passam pela liberdade
humana. “Existe uma evidência para o ser humano de que há uma tarefa que lhe
compete enquanto tal e, o fato de ocupar-se dela, define a vida propriamente
humana. Essa tarefa é a auto-realização da vida humana que a distingue da vida
puramente vegetativa e sensitiva” (Junges, 1999, p.98). Passa por saber,
entre as possibilidades, usar do dom do livre arbítrio para escolher
corretamente. E a escolha correta é sempre aquela que escolhe a liberdade de
viver, a liberdade de amar, de querer bem, é sempre aquela que elege a
alternativa que opta por um sentido de vida que plenifica o ser humano, que o
faz sentir-se bem. A sabedoria no exercício do livre arbítrio está em que a
eleição feita deve garantir condições de realização ao ser humano, deve sempre
optar por um processo de plenificação da vida.
Nessa
perspectiva e dinâmica de compreensão, a eleição de um sentido de vida e de
existência, realizada pelo ser humano, que não conseguir estabelecer uma
relação dialética harmoniosa entre as suas propriedades estruturais,
relacionais e de expressividade e a sua existência e fim último, não vai
garantir-lhe a plena auto-realização. “Auto-realizar-se é tornar-se
progressivamente pelas relações o que se é estruturalmente. Auto-realização é a
manifestação do ser no movimento de sua constituição progressiva que é, ao
mesmo tempo, o movimento da sua auto-expressão. Realização é a passagem do ser
que se é como dado ao ser que se deve ser como projeto” (Junges, 1999,
p.989).
O
ser humano, segundo essa compreensão, deverá livremente saber escolher aquilo
que o torna mais plenamente ser humano. Essa exigência acontece por uma
necessidade intrínseca à própria condição humana, advinda da sua relação de
transcendência. Diante da verdade e do bem absolutos, experienciados na
dimensão de transcendência, o ser humano tende naturalmente para eles. O homem
e a mulher não são livres para escolher entre o bom e o ruim para os seus
interesses de realização.
Também,
nessa perspectiva de compreensão, é difícil compreender um homem ou uma mulher,
quando os mesmos, não vierem a escolher e a eleger aquilo que mais os realiza,
que mais os faz felizes. A busca da felicidade e da realização constitui-se em
imperativo para o ser humano. “A dignidade está, em última análise, no fato
de o ser humano assumir-se como tarefa de auto-realização” (Junges, 1999,
p.111). Essa realização e felicidade consistem em que o homem e a mulher se
apropriem das suas dimensões estruturais e relacionais, bem como das demais
formas ou estilos de sua expressividade e os conduzam ao pleno desdobramento,
desenvolvimento e significação existencial. É, pois, necessário que os mesmos elejam
sempre aqueles valiosos que os levam a concretizar o sentimento de estar bem
consigo mesmos, isto é, aqueles que o constituem cada vez mais seres humanos,
enfim, aquilo que os fazem “ser homem, fazer-se homem” ( Hessen, 1980,
p.242).
Entretanto,
as propriedades de expressão do ser humano, adquiridas e construídas nas
relações de objetividade, de intersubjetividade e de transcendência, têm a sua
permanência em maior ou menor grau, dependendo da qualidade de intensidade e de
freqüência dessas suas relações, isto é, podem não estar presentes com a mesma
intensidade e com a mesma freqüência em todas as pessoas, como podem também não
estar todas presentes na mesma pessoa ao mesmo tempo.
As
“propriedades do ser humano, como expressão, admitem uma graduação”
(Junges, 1999, p.108). Pode-se ter mais ou menos consciência desse ou daquele
problema, maior ou menor consciência de que isto ou aquilo pode ser bom,
pode-se saber mais ou saber menos sobre determinado assunto, isto é,
determinados fatos ou determinadas atitudes podem acontecer com maior ou menor
freqüência e grau de intensidade.
As
relações de objetividade, intersubjetividade e transcendência manifestam-se de
acordo com as circunstâncias existenciais presentes a cada homem e a cada
mulher singulares. De acordo com a qualidade do grau de intensidade e de
freqüência dessas relações, elas estarão presentes no homem e na mulher, em
maior ou menor grau, em maior ou menor intensidade e freqüência, em maior ou
menor grau de realização. Alguém que, em sua convivência, se apresenta
sorridente com intensa freqüência integra essa característica ao seu perfil de
homem e de mulher.
Das
características intrínsecas ao ser humano, alicerçadas nas dimensões
estruturais e relacionais, em nenhuma circunstância ou hipótese, pode delas
prescindir o ser humano. Nenhuma das características estruturais e relacionais
podem estar ausentes ao ser humano, porque constitutivas do mesmo. Por exemplo,
“considerar a consciência como característica potencial do ser humano como
expressão significa afirmar a sua possessão e não o seu exercício” (Junges,
1999, p.109).
O
homem e a mulher podem ter mais ou menos consciência, ou consciência nenhuma a
respeito de algo, mas neles continua a possibilidade de consciência. As
características de expressão individuais e particulares a cada ser humano, que
são constituídas nas relações de objetividade, com o mundo, de
intersubjetividade, com o outro e de transcendência, com o absoluto, podem,
portanto, não estar presentes, com a mesma freqüência, intensidade ou grau, em
todas as pessoas ou podem não estar todas presentes na mesma pessoa no mesmo
momento e lugar, mas delas fazem parte constitutiva e, portanto, delas
imprescindíveis também para a sua realização.
A
plenificação do ser humano, nessa visão compreensiva e integradora, acontece
num crescendo aberto que integra e congrega as modalidades corpórea, psíquica e
espiritual, constituindo-se em uma unidade inclusiva do todo relacional do ser
humano com o outro, com o mundo e com o transcendente. Isso nos permite dizer
que o ser humano é sempre e está sempre inteiro no espaço e tempo em que se
encontra, seja enquanto criança, jovem e adulto, seja enquanto doente,
desanimado ou feliz.
É
sempre um ser humano inteiro que necessita de atenção; é sempre um ser humano
inteiro que eventualmente estará entristecido com suas tristezas; é sempre um
ser humano inteiro que clama por ser acolhido em suas diferenças; é sempre um
ser humano inteiro, desde suas entranhas e de seu mais profundo existir, que
vai vibrar e se alegrar com as suas alegrias; é sempre um ser humano inteiro
que necessita e clama por salvação diante dos seus insucessos e diante das suas
dificuldades; é sempre um ser humano inteiro que necessita de reconhecimento,
de resgate, e/ou de valorização e de promoção de sua dignidade cidadã; é também
sempre um ser humano inteiro que é encontrado nas suas relações que estabelece;
e é ainda sempre um homem e uma mulher inteiros que estão presentes nos
processos formativos e educativos das instituições de ensino.
Depois
dessa série de dimensões ou de modalidades de compreensão do ser humano
chega-se a um final feliz? Todos sabem tudo do ser humano ou deve-se continuar
nessa peregrinação em busca de um ser humano ainda desconhecido? Quem é o ser
humano enfim? O ser humano é uma grande síntese, é um ser, uno, total, inteiro,
livre, a caminho da transcendência na identificação com o Absoluto? É a grande
síntese que se auto-constrói na liberdade de eleger seus sentidos? É necessário continuar? É necessário
perseguir sempre novas respostas para o sempre renovado e sonhado desejo de ser
mais?
Parece
que o homem e a mulher são marcados, de um lado, pelo desejo e pela tendência
em ser mais, em saber mais, em buscar mais para melhor ser e existir com
dignidade cidadã e, de outro, marcados e imobilizados por circunstâncias
históricas da realidade que os afeta e pelas suas limitações existenciais a uma
rotina de simplesmente ser. É, pois, uma questão de saber, de poder e de querer
escolher, entre o ato de simplesmente ser e o ato de ser mais, de buscar mais,
de buscar o melhor em tudo o que se faz. Infelizmente “a maioria permanece
no hábito melancólico de ser sem o aguilhão de ser mais” (Junges, 1999,
p.100).
É
prudente terminar esse estudo e proposta de reflexão e compreensão de ser
humano, com essa referência, de que a maioria permanece no hábito melancólico
de simplesmente ser, sem o aguilhão de ser mais? O que será dos estudantes, e
da sociedade, se essa for a atitude dos pais, das escolas e de seus educadores
e educadoras? Parece ser, realmente,
constitutivo do ser humano continuar a se interrogar e a buscar sempre novas
e/ou renovadas respostas, deixando páginas em branco por serem escritas por homens
e mulheres singulares no seu historicizar-se, que os mesmos escrevem junto com
os demais sócios ou junto como sócio dos demais, sem, contudo e/ou portanto,
nessas questões colocar e/ou se colocar um ponto final
Nenhum comentário:
Postar um comentário